Da Assinatura das Coisas – 14.1. Génese das Sete Formas
CAPÍTULO DÉCIMO QUARTO
DA RODA DO ENXOFRE, MERCÚRIO E SAL, DA GERAÇÃO DO BEM E DO MAL; COMO ELES SE TRANSFORMAM UM NO OUTRO E SE MANIFESTAM UM ATRAVÉS DO OUTRO, ENQUANTO PERMANECEM NA PRIMEIRA CRIAÇÃO DO MILAGRE DE DEUS, PARA A SUA MANIFESTAÇÃO E A SUA GLÓRIA
Resumo: — Explicação detalhada da génese das sete formas na Natureza eterna e nas Naturezas temporais — O mineral — As fomes de cada uma das sete propriedades — O elemento um — A repugnância — A cura da repugnância
- Cada um diz: mostra-nos o bom caminho. Querida razão, tu mesma deves tornar-te no caminho, a inteligência deve nascer em ti, eu não posso fazer mais nada; é preciso que tu procures para que o teu entendimento possa ser aberto; eu descrevo, segundo o espírito da contemplação, a génese do bem e do mal, e eu abro a fonte; é àquele a quem Deus predestinou que compete fazer brotar a água; eu só posso mostrar como gira a roda da vida.
- Ao tratar do Enxofre, do Mercúrio e do Sal, eu quero falar de uma só coisa, espiritual ou corporal; todas as criaturas são essa coisa única;1 mas as propriedades diferenciam-na; quando falo dum ser humano, dum animal, duma planta ou de qualquer ser, tudo isso é a mesma coisa única.
- Tudo o que é corporal é uma mesma essência, plantas, árvores e animais; mas cada uma difere segundo a qualidade que, no início, o Verbo fiat imprimiu nela. Tudo se reproduz de forma semelhante, segundo a sua semente, e não há nada que não tenha um fixo em si mesmo, oculto ou manifesto, porque tudo deve dar testemunho da glória de Deus.
- O que provém do fixo eterno, como as almas dos anjos e dos seres humanos, permanece imutável. O que provém do movimento temporal, retorna à mutabilidade da qual se originou, e é uma projeção dela como um reflexo inanimado num espelho. O que vem da eternidade, foi trazido pelo Altíssimo à vida natural concebível, para que nós possamos contemplar as maravilhas da Sabedoria na essência criatural.
- Consideremos a mãe única; ela produz uma multiplicidade inumerável; ela gera na vida e na morte, no bem e no mal; todas as coisas devem retornar ao seu princípio, ao lugar de onde partiram: o mistério desse retorno é a morte.
- Nenhuma coisa pode retornar ao seu lugar primitivo, tal como a sua mãe o gerou na sua raiz, sem que ela morra nessa mãe; ela volta a ser então, novamente, no Verbo pronunciante fiat, como antes dela ter sido corporal.
- Tal é a origem das coisas; não se pode dizer que este mundo veio de alguma coisa; ele é uma avidez vinda da liberdade onde se reflete o abismo, o bem supremo, a vontade eterna; esta última apreendeu essa avidez, imprimiu-a, figurou-a e corporizou-a, em corpo e em espírito, segundo tal ou tal forma; assim, as possibilidades tornaram-se numa Natureza.
- Essa impressão, que é a única mãe da manifestação do Mistério, chama-se Natureza ou essência,2 porque ela realiza o que existe na vontade eterna de toda a eternidade. Na eternidade, há uma natureza, uma alma de volição, mas apenas como um espírito, e as suas potencialidades permanecem no espelho da vontade ou Sabedoria eterna.3 Lá, todas as coisa deste mundo são distinguidas em dois centros, um de fogo e de luz, o outro de trevas e de essências; o movimento da vontade eterna em tudo isto entrou pelo desejo, num mistério manifesto, e introduziu-se numa possibilidade visível.
- Tal é a essência pronunciada, tal qual ela sai da eternidade para entrar no tempo; ela consiste nas três formas do Enxofre, do Mercúrio e do Sal; elas não estão separadas; é uma essência única, que toma figura nas propriedades do desejo, segundo o potencial da manifestação. É preciso compreender que uma propriedade não pode existir sem a outra, elas todas em conjunto são apenas uma possibilidade. Nós vamos tratar agora da sua diferenciação, em bem ou em mal, em paz ou em luta.
- Nós encontramos sete propriedades principais na Natureza, a qual opera tudo por meio delas; elas são 1º a avidez amarga, fria, dura e escura; 2º a amargura, o aguilhão da aspereza, atração em si, causa do movimento e da vida; 3º a angústia, a fúria da impressão, produzida pela dureza atacada pelo aguilhão; 4º o fogo, onde a vontade eterna se torna num lampejo cintilante nessa angústia e aumenta o desejo das trevas que, ao consumirem a dureza, dão um espírito corporal fervilhante;4 5º a vontade livre sai das trevas do fogo e da sua própria morada; ela irradia como a luz duma chama e o seu poderoso desejo, aguçado no fogo, consumido na escuridão da primeira forma, produz-se agora na luz, fora da agonia ígnea: segundo a sua fome, é a água; segundo o seu brilho, é a tintura do fogo e da luz, o desejo de amor, a beleza, de onde nascem todas as cores, como explicamos no livro da Tríplice Vida do ser humano; 6º a voz, ou o som que, na sua primeira forma, é apenas um choque da dureza, no fogo da qual ele morre para renascer na 5ª forma segundo a luz da Tintura; nele nascem os cinco sentidos; 7º a menstruação ou semente de todas essas formas, que o desejo imprime num corpo concebível, que contém tudo; aquilo que as seis formas são espiritualmente, a sétima é-o essencialmente.
- Tais são as sete propriedades da mãe universal da qual nasceu tudo o que existe neste mundo. O Altíssimo deu-lhes a forma duma roda; elas são como a alma dessa mãe, dessa roda que cria sem cessar. As estrelas e os planetas estão dispostos segundo o modelo da constelação eterna, que é um espírito ou a alma da Sabedoria divina, ou a Natureza eterna. O modelo do spiritus mundi é esta natureza eterna na qual os anjos foram criados.
- Além disso, o Altíssimo deu a essa roda quatro chefes que dirigem a geração da mãe; são os quatro elementos, nos quais a constelação infunde um desejo, de modo que todo este ser constitui uma só coisa, organizada como a alma do ser humano. Da mesma forma que a alma e o corpo são apenas um indivíduo, tudo isso é um único ser, imagem da eternidade segundo a sua alma, e imagem do tempo segundo a sua forma exterior; e as duas imagens obedecem à vontade eterna.
Notas
- Ver a Tábua de Esmeralda, especialmente no Anfiteatro de Khunrath. [ ↑ ]
- Nós traduzimos por ser, ou essência, o que Boehme chama Wesen ou Ens. Cada plano do universo é para ele uma natureza, e ele conta ainda mais uma, antes de qualquer criação: a Natureza eterna. De modo que quanto mais uma criatura está longe do centro, mais próxima da matéria, mais ela é complicada, mais naturezas ela contém. [ ↑ ]
- Ver, sobre a Sabedoria unida ao Verbo, primeiro o livro de Salomão, os de Suso e de Khunrath; e comparar com a Shakti Bramânica. Boehme chama Sofia à emanação individualizada dessa Sabedoria na alma humana. [ ↑ ]
- No sentido químico da palavra. [ ↑ ]
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