Da Assinatura das Coisas – 13.4. Os Dois Princípios

  1. Nós vamos ver qual é a sua cura, como livrá-lo da morte, como recolocá-lo no Elemento puro e o seu espírito como recolocá-lo sob a dependência da vontade divina.
  2. Nenhum outro método será encontrado senão retornar em espírito à vontade original que originalmente o tirou do caos na forma de uma imagem deste último; — de fazer sair o nosso espírito, insuflado na imagem criada pelo espírito divino, de si mesmo, da sua vontade criatural; — de morrer a esse egoísmo interno pelo qual ele vive, segundo os seus desejos pessoais, da vida elementar exterior; — de se lançar inteiramente na vontade e na compaixão divinas, de modo a que não seja mais ele quem vive e quer, mas Deus, e a Sua vontade original que se manifestou criando-o à sua imagem. Então, ele retornará ao seu lugar primitivo na primeira constelação, ou o caos.
  3. O eu luta contra este processo e não quer, por nada do mundo, morrer à vontade exterior dos astros e dos elementos; consequentemente, é preciso dar à vontade interior do espírito um alimento divino, para que ela não deseje mais o exterior, para que o espírito quebre sempre a vontade do eu terrestre, até que este último se deixe livremente morrer com o seu corpo; assim, com o corpo desaparecido, formado do Elemento puro, regressará à casa paradisíaca do espírito, depois da alma lá ter acendido a tocha da vida verdadeira segundo o espírito de Deus.
  4. Se a vontade própria da alma conseguisse fazer isto, se conseguisse separar-se do seu eu, voluntariamente morrer a si própria e tornar-se num nada, a vontade divina (que é o desejo eterno em direção ao caos anímico ou Mercúrio eterno) animaria novamente a sua imagem pura, ou vida virginal, restituir-lhe-ia pela graça a corporalidade celeste do Elemento puro com que se alimentar, e a água dessa mesma Tintura da vida eterna para saciar a sede; foi para isso que a vontade divina tomou a forma humana e se ofereceu com todo o seu desejo a todos os seres humanos; se a alma morre no seu eu, se ela dirige a sua fome para a misericórdia, ela pode saborear esse alimento através do qual se tornará novamente criatura do Amor.
  5. Considera como vive a pobre alma presa nas necessidades e cuidados da vaidade, na Cólera de Deus. O corpo terrestre vive na mesma dor, até que a alma, por meio do Elemento puro, subjuge e reduza à impotência o seu regime exterior astro-elementar, na roda mercuriana venenosa, segundo a impressão tenebrosa, para que ele não resista ao Universal.1 Ele deve, enquanto o interno penetra no externo e o tinge, permanecer em repouso. Não há perfeição na Tetrassomia2 até que o corpo seja transmutado no Elemento puro: ele tem que retornar àquilo de onde vieram os quatro.
  6. O plano desses quatro elementos é apenas vaidade dolorosa; a alma ali apaixona-se pela constelação externa, que penetra nela e produz nela uma imaginação falsa; a roda mercuriana venenosa traz doenças para o corpo; a alma tem que curar-se pela perfeição interior, que é o Verbo pronunciador, pelo qual ela repousa em Deus, e que só ele a pode tingir. O corpo terrestre tem que ser tratado pelo Mercúrio pronunciado.3
  7. Como o Mercúrio exterior também está na maldição da roda venenosa, ele tem que ser tingido com a sua própria luz, na sua primeira mãe, no corpo do Enxofre. A sua fome própria tem que ser quebrada, porque ela é inimiga, e substituída por uma fome de amor.
  8. Para saber como isto acontece, estudemos a geração do Enxofre, de onde vem a alegria e a dor; porque nada mais pode opor-se primeiramente ao Mercúrio venenoso, e nada pode resistir-lhe, exceto a Sua mãe, em cujo corpo ele repousa. Assim como nada pode vencer o frio, a não ser o calor, que é, no entanto, filho do frio, assim também só se pode opor ao Mercúrio venenoso o seu próprio filho, que ele procriou no seio da sua mãe pelo quente e pelo frio; assim, só o Amor, filho de Deus, pode resistir à Cólera divina e tornar o Pai misericordioso; passa-se o mesmo com o Verbo pronunciado ou Mercúrio.
  9. Não é que se possa matar o veneno frio do Mercúrio com o fogo vulgar; o medicamento tem que ser da mesma natureza do mal; mas primeiro, tem que ser libertado da fúria fria e banhado na suavidade; então, pode aplacar a fome da avidez fria na doença física.
  10. Se derramarmos calor incendiado sobre frio incendiado, este último assusta-se e entra em agonia; nesta morada da morte, o calor torna-se numa vida venenosa, um aguilhão de angústia, e a Roda mercuriana cai numa tristeza, numa secura onde toda a alegria se afunda.
  11. A vida tem que preservar os seus direitos; o quente e o frio têm que poder coexistir numa mesma essência, sem que nenhum deles se irrite ou se enfraqueça: eles têm que permanecer unidos na mesma vontade.
  12. O frio não pede calor, mas frio; toda a fome pede alimento análogo à sua natureza; embora que se a fome do frio é muito imperiosa, não se deve dar-lhe mais frio, mas enfraquecê-lo, para que seja apenas como a sua própria mãe, não segundo a fonte4 venenosa, mas segundo a alegria: a doença ou veneno da angústia é então transformada numa alegria semelhante.
  13. É então que a vida retoma a sua primeira propriedade. Não é o corpo bruto que recebe a Cura, mas o seu óleo, bonificado pelo princípio do Amor que ela contém, isto é, pela essência análoga suave. Porque as sete formas da Natureza são apenas uma no Centro; o óleo tem que, portanto, circular através da roda, até que ela entre no seu mais forte desejo de Amor; a cura está então pronta; não há nada tão mau que não tenha o bem em si, e esse bem resiste ao seu mal.
  14. É esse bem que resiste, na doença, à fúria acesa no corpo; quando o veneno frio se eleva lá, o bem cai e permanece inativo até encontrar uma essência semelhante para se reconfortar; a fúria consome-se a si mesma, depois também cai, e o corpo morre. Mas se conseguirmos restaurar a harmonia, ele recupera as forças e a fome mórbida cessa.
  15. Portanto, o calor não deve ser tratado pelo frio, mas por um outro calor libertado previamente da fúria e substituído na sua maior alegria, de modo que esse calor medicinal não qualifique5 nem no quente, nem no frio, mas no seu próprio desejo de amor; o calor do coração será atraído para esse mesmo desejo. Toda a corrupção orgânica vem do frio, quando o Enxofre está muito inflamado, a propriedade do frio morre.

Notas

  1. É toda a substância uma que, na origem dum plano vital, se diferencia para povoar esse plano. No mineral, é a matéria-prima; no mundo, é a matéria cósmica primitiva; no espírito, é o Paraíso. [  ]
  2. Os quatro elementos do hermetismo. [  ]
  3. Segundo a linguagem da natureza, linguagem da revelação, é Marcurius que deve ser dito em vez de Mercurius. [  ]
  4. Fonte, em alemão, Quelle, é escrita por Boehme nos manuscritos de três maneiras: Quall é a fonte fecundante, luminosa, suave e beatífica. Quahl é a fonte tenebrosa e dolorosa. Quaal é a fonte mista na Natureza exterior. Estas diferenças não foram respeitadas pelos impressores. [  ]
  5. Opera essencialmente, esforça; leva a frutificar. [  ]
[ Anterior ] [ Índice do Livro ] [ Seguinte ]

Início » Textos » Assinatura das Coisas » 13.4. Os Dois Princípios