Da Assinatura das Coisas – 12.5. A Obra Filosófica

Breve exposição da obra filosófica1

  1. O nosso discurso pode parecer obscuro ao leitor, apesar de nós lhe apresentarmos Cristo em detalhe; não se surpreenda, nós não procuramos o ouro, nem os bens temporais, nós não queremos induzir o ser humano em curiosidades indiscretas; nós só nos dirigimos aos filhos que Deus escolheu para si, porque chegou o tempo em que a ovelha perdida será encontrada, não só quanto ao universal, na matéria deste mundo, mas também quanto às almas.
  2. De ambos os lados, o processo é breve e único: A árvore divide-se em sete ramos: é a vida. A maldição de Deus abateu-se sobre as sete formas; elas combatem umas contra as outras, prejudicam-se mutuamente e só se podem pacificar entregando-se todas à morte da sua vontade própria.
  3. Mas isto não consegue acontecer sem que a morte entre nelas, como a Divindade fez em Cristo para o eu humano, e matou as sete formas da vida humana para trazê-las de volta à vida: a vontade foi transmutada em Deus, por meio de Cristo, o Sol Eterno, através do abandono. Assim, na obra, todas as formas se devem transformar num sol único; elas permanecem, todas as sete, mas só têm um desejo, cada uma delas entregar-se às outras no Amor.
  4. O artista procurará como matar a morte pela vida pura, e como despertar esta vida celeste, extinta e aprisionada na maldição, para que ela possa receber novamente o fogo anímico; se ele conseguir chegar a isto, ele realizou a sua própria Grande Obra.
  5. Quando a Virgem aceita novamente o seu noivo infiel, este só dispõe de um método; a imagem celeste de Deus em nós não pode ser restaurada sem que o Espírito de Deus a anime e vá com ela para o fogo anímico, na fúria da morte, para matar a morte e afogar a Cólera no sangue da essência celeste; e apesar de não haver aí separação, nem destruição, a fúria morre e transforma-se em alegria e em amor.
  6. A obra do artista não consiste noutra coisa, porque o ser humano compreende todas as essências do céu e da terra; mas como ele se tornou terrestre, a maldição na qual ele incorreu atingiu também a sua parte terrestre; o céu interior foi-lhe fechado, assim como o céu da terra, dos metais, das árvores e de tudo o que servia à sua recreação.
  7. A alma da terra, como propriedade do fogo do primeiro princípio, entrou na Cólera; o seu céu foi aí aprisionado; o artista deve, portanto, reunir esta alma e este céu e substituir o primeiro no segundo; para isso, não pode deixar na alma a sua maldade, porque ela não quer que isto aconteça, é o céu que tem que se introduzir na alma, que ela se alimente dele quer queira quer não, que morra nele, sem que ela seja capaz de se livrar dele, por mais violentamente que ela se debata contra ele, até que ela entre nele, para matá-lo, como os judeus fizeram com Cristo; quando a imagem celeste, extinta, cai assim sob a ira do assassino, infundindo-lhe o seu desejo, este assustar-se-á com o Amor e elevar-se-á com esse pavor até à essência celeste.
  8. A essência celeste recebe, portanto, o brilho do fogo e entrega-se a ele; o fogo é forçado a alimentar-se dela e a abandonar o centro; a essência celeste é a sua vida como a luz sai do fogo, como um pedaço de ferro, aquecido até ficar branco, ilumina mas mantendo a sua matéria, assim, o céu desaparecido aparece no fogo mercuriano marciano da alma, e unifica as sete vontades pondo fim à sua luta, sem as destruir.
  9. Este é um universal que também transmuta o combate das doenças no corpo humano numa única vontade; quando a fúria das sete formas se apazigua, a fome da vontade também cessa, tal é o processo geral. Não pretendo explicar mais claramente. Quem não quiser buscar, com isto, como se tornar num ser humano regenerado em Deus, que ponha os meus escritos de lado.
  10. Além disso, não os compreenderá completamente e, se não se exercitar constantemente no abandono em Cristo, não conceberá o Espírito do Universal. Se não ceder a uma curiosidade indiscreta, e se meter a mão no trabalho, encontrará sem muito procurar, porque a coisa é infantil.2

Notas

  1. Quem quiser trabalhar no laboratório segundo estas indicações aqui fornecidas, achará que são muito vagas: deve então procurar nos escritos dos alquimistas propriamente ditos, a menos que lhe seja concedida uma iluminação especial. [  ]
  2. Ver-se-á, sem dúvida, que o nosso autor se repete muito; no entanto, nós podámos não poucas redundâncias, mas, pensando que, apesar da sua pouca cultura, Boehme tinha discernimento suficiente para notar os seus comprimentos estilísticos, respeitamos as repetições das ideias; não deixam, aliás, de apresentar variantes que podem esclarecer o pesquisador: um sinónimo, colocado no ponto certo, pode ajudar o intuitivo; e certamente não é sem razão que o nosso autor constantemente retorna às mesmas descrições. [  ]
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