Da Assinatura das Coisas – 9.4. Cura da Razão

  1. A razão também pode adoecer pelas palavras; mas ela é curada por um remédio semelhante à sua doença.
  2. A alma do pobre pecador foi envenenada pela cólera de Deus e o Mercúrio da Natureza eterna foi aceso na propriedade anímica; o Marte ígneo então arde no Saturno da eternidade, na sua impressão terrível e tenebrosa; Vénus está prisioneira na casa da miséria, a sua água secou, Júpiter viu o seu entendimento escurecer, o Sol apagou-se e a Lua tornou-se numa noite muito escura.
  3. Não se pode aconselhar outra coisa a tal alma senão suavizar o Mercúrio mental harmonizando-o; ela deve introduzir Vénus (o amor de Deus) no seu Mercúrio e no seu Marte venenoso, só então o Sol poderá brilhar novamente.
  4. Se ele pensa que não consegue fazer isso porque está muito preso, eu lhe responderia que essa possibilidade depende da misericórdia divina, porque ninguém pode tirar a cólera de Deus; mas como o seu coração amoroso se entregou por amor ao género humano, transformando assim o Mercúrio aceso na alma (que é a fonte venenosa da Natureza na propriedade do Pai), eu dirigirei a minha vontade para essa tintura salvadora e eu sairei da fonte venenosa do Mercúrio colérico, morrendo para me tornar num nada com Cristo, porque é preciso que ele seja a minha vida, que eu morra e que seja ele a viver em mim.
  5. Assim, eu posso regressar ao nada primitivo do qual Deus tudo criou.
  6. O nada é o bem soberano, porque ele não possui Turba;1 nada lá me pode comover, porque eu estou então em Deus, que é o único que sabe o que eu sou. Aqueles que tentarem isto saberão o que Deus realizará neles.
  7. Eu próprio, que escrevo todas estas coisas, não as sei, porque não as aprendi; é Deus quem mas dita a mim; eu não sei nada por mim próprio, mas eu só sei aquilo que ele quer; assim, não é em mim que eu vivo, mas sim nEle. Nós somos, portanto, um em Cristo como os ramos e os galhos duma mesma árvore; eu introduzi a vida dele na minha e reconciliei-me com o seu amor.
  8. O meu mau Mercúrio foi assim transmutado, o meu Marte tornou-se num fogo divino, o meu Júpiter vive na alegria; o verdadeiro Sol brilha sobre mim, mas eu não o vejo, porque eu não sou nem faço nada por mim próprio.
  9. Só Deus sabe. Assim, eu vivo, possuído pelo espírito segundo a minha vontade interior, que no entanto não é minha.
  10. Ainda há uma outra vontade ou outra vida dentro de mim; essa vida ainda é venenosa, e é só quando ela reentrar no nada que eu serei perfeito. É nela que residem o pecado e a morte.
  11. Essas duas vidas combatem entre si. Mas visto que Cristo se dignou nascer em mim e viver no meu nada, ele realmente esmagará a cabeça da serpente da minha vontade má, conforme a promessa feita no Paraíso.
  12. Mas o que Cristo fará com o velho homem que eu sou? Ele vai rejeitá-lo? Não, porque cada um trabalha segundo o seu mundo. O exterior opera no mundo maldito, indiferentemente mau ou bom para os milagres de Deus; e o interior é o instrumento de Deus, até que se manifeste fora: Deus então será tudo em tudo; tais são o começo e o fim, a Eternidade e o Tempo.
  13. Retenham bem: ao exterior pertence a cura do exterior, e ao interior a do mundo interior que é a unidade divina. Mas se o Interior penetra o Exterior, introduzindo lá o seu esplendor solar, então ele o curará e brilhará nele, como o sol na água.

Notas

  1. Turba significa qualquer lugar entregue à ebulição, à efervescência do fogo da cólera. [  ]
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