Da Assinatura das Coisas – 9.4. Cura da Razão
- A razão também pode adoecer pelas palavras; mas ela é curada por um remédio semelhante à sua doença.
- A alma do pobre pecador foi envenenada pela cólera de Deus e o Mercúrio da Natureza eterna foi aceso na propriedade anímica; o Marte ígneo então arde no Saturno da eternidade, na sua impressão terrível e tenebrosa; Vénus está prisioneira na casa da miséria, a sua água secou, Júpiter viu o seu entendimento escurecer, o Sol apagou-se e a Lua tornou-se numa noite muito escura.
- Não se pode aconselhar outra coisa a tal alma senão suavizar o Mercúrio mental harmonizando-o; ela deve introduzir Vénus (o amor de Deus) no seu Mercúrio e no seu Marte venenoso, só então o Sol poderá brilhar novamente.
- Se ele pensa que não consegue fazer isso porque está muito preso, eu lhe responderia que essa possibilidade depende da misericórdia divina, porque ninguém pode tirar a cólera de Deus; mas como o seu coração amoroso se entregou por amor ao género humano, transformando assim o Mercúrio aceso na alma (que é a fonte venenosa da Natureza na propriedade do Pai), eu dirigirei a minha vontade para essa tintura salvadora e eu sairei da fonte venenosa do Mercúrio colérico, morrendo para me tornar num nada com Cristo, porque é preciso que ele seja a minha vida, que eu morra e que seja ele a viver em mim.
- Assim, eu posso regressar ao nada primitivo do qual Deus tudo criou.
- O nada é o bem soberano, porque ele não possui Turba;1 nada lá me pode comover, porque eu estou então em Deus, que é o único que sabe o que eu sou. Aqueles que tentarem isto saberão o que Deus realizará neles.
- Eu próprio, que escrevo todas estas coisas, não as sei, porque não as aprendi; é Deus quem mas dita a mim; eu não sei nada por mim próprio, mas eu só sei aquilo que ele quer; assim, não é em mim que eu vivo, mas sim nEle. Nós somos, portanto, um em Cristo como os ramos e os galhos duma mesma árvore; eu introduzi a vida dele na minha e reconciliei-me com o seu amor.
- O meu mau Mercúrio foi assim transmutado, o meu Marte tornou-se num fogo divino, o meu Júpiter vive na alegria; o verdadeiro Sol brilha sobre mim, mas eu não o vejo, porque eu não sou nem faço nada por mim próprio.
- Só Deus sabe. Assim, eu vivo, possuído pelo espírito segundo a minha vontade interior, que no entanto não é minha.
- Ainda há uma outra vontade ou outra vida dentro de mim; essa vida ainda é venenosa, e é só quando ela reentrar no nada que eu serei perfeito. É nela que residem o pecado e a morte.
- Essas duas vidas combatem entre si. Mas visto que Cristo se dignou nascer em mim e viver no meu nada, ele realmente esmagará a cabeça da serpente da minha vontade má, conforme a promessa feita no Paraíso.
- Mas o que Cristo fará com o velho homem que eu sou? Ele vai rejeitá-lo? Não, porque cada um trabalha segundo o seu mundo. O exterior opera no mundo maldito, indiferentemente mau ou bom para os milagres de Deus; e o interior é o instrumento de Deus, até que se manifeste fora: Deus então será tudo em tudo; tais são o começo e o fim, a Eternidade e o Tempo.
- Retenham bem: ao exterior pertence a cura do exterior, e ao interior a do mundo interior que é a unidade divina. Mas se o Interior penetra o Exterior, introduzindo lá o seu esplendor solar, então ele o curará e brilhará nele, como o sol na água.
Notas
- Turba significa qualquer lugar entregue à ebulição, à efervescência do fogo da cólera. [ ↑ ]
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