Da Assinatura das Coisas – 9.1. As Sete Formas e os Sete Planetas
CAPÍTULO NONO
COMO O INTERNO SINALIZA O EXTERNO
Resumo: — As sete formas e os sete planetas — Fundamento da Magia — Das relações dos planetas entre si — Cura da razão — Cura da alma
- O mundo exterior visível essencial é uma figura do mundo interior espiritual; o que está dentro e na operação afirma-se analogicamente fora; o espírito de cada coisa manifesta a sua forma interior.
- A Essência de todas as essências é uma virtude resplandecente, é o reino de Deus; este consiste, assim como o mundo exterior, em sete formas que se geram umas às outras e perpetuamente, segundo o lugar eterno. Foi por isso que Deus deu ao ser humano seis dias de trabalho e o sétimo para a sua perfeição; é também um dia de descanso, porque nele repousam essas seis formas da força; o sétimo dia é o tom divino, o ápice da alegria onde as outras formas se manifestam.
- É o verbo pronunciado, a corporalidade divina pela qual todas as coisas nascem e chegam à essência:1 isto para que a Essência espiritual se descubra num corpo compreensível; o interior mantém o exterior diante de si como um espelho, onde observa a geração das formas.
- Assim, cada coisa, nascida do interno, tem a sua assinatura. A forma mais virtual da operação afirma-se primeiro no corpo; as outras formas seguem-na, como se vê na figura, nos modos de ser, nos movimentos e na voz dos seres vivos, como nas árvores e nas ervas, nas pedras e nos metais.
- Mas se o Artista quiser, ele pode, por meio do Mercúrio verdadeiro, mudar as formas das coisas; se assim o fizer, o espírito recebe uma outra vontade segundo a nova forma soberana dos sete. Como Cristo dizia à doente: Levanta-te, a tua fé curou-te, acontece o mesmo aqui: cada forma tem apetite pelo Centro; este é o som do Mercúrio pelo qual se edifica a virtude; quando esse som age sobre a forma mais inferior da virtude, ele eleva-a para o alto: assim, ela é curada pelo desejo ou pela fé, como a doente de Cristo, porque o Mercúrio se exalta pelo desejo.
- Acometida pela doença, o veneno da morte exaltava-se nela; a forma da vida central tendia para a libertação; mas como o Mercúrio da propriedade divina residia em Cristo, o desejo fraco do centro uniu-se ao desejo poderoso de Cristo, que o elevou ao harmonizá-lo.
- Assim, a vida sai da morte, o bem do mal e o mal do bem. Em cada coisa, a propriedade preponderante dá o sabor e o tom ao Mercúrio, e representa o corpo à sua imagem; as outras formas que lhe estão ligadas também lhe dão a sua assinatura, mas em último lugar.
- Há na Natureza, tanto a eterna quanto a exterior, sete formas, que os antigos sábios designaram pelos nomes dos planetas. Não há, nenhuma coisa, na essência de todas as essências que não contenha as sete propriedades; elas são a roda do centro, as produtoras do Enxofre, no qual o Mercúrio borbulha na fonte da angústia.
- Eis quais são essas formas: o desejo da impressão chama-se Saturno; o prazer livre da eternidade é Júpiter, por causa da sua amabilidade. Porque Saturno contrai, endurece, esfria e escurece; produzindo o enxofre, quer dizer, a vida espiritual móvel; o prazer livre faz com que a impressão deseje a sua libertação da dureza obscura; é por isso que é chamado de Júpiter.
- Por essas duas propriedades, os reinos divinos da Alegria e da Cólera estão muito bem representados. O segundo, que é o abismo obscuro, causa do movimento saturniano, produz esse nada onde repousa o prazer livre, móvel e sensível, seu inimigo. É ele quem faz a impressão passar ao estado de essência; porque Júpiter, como acabamos de dizer, é a virtude sensível da manifestação do livre prazer, pelo qual o Nada forma na impressão uma substância; estas duas formas lutam uma contra a outra; uma faz o bem e a outra o mal, embora tudo seja bom.
- A terceira forma chama-se Marte; é a propriedade ígnea onde a impressão só se faz com grande angústia, uma fome ardente e consumidora. Mas em Júpiter, que é o prazer livre do nada, ele provoca o desejo ardente amoroso pelo qual a liberdade tende a se introduzir no reino da Alegria. Nas trevas, ele é um diabo, ele é a cólera de Deus; na luz, ele é um anjo alegre. Foi quando Marte escureceu em Lúcifer que este se tornou num diabo. Assim se passa também com o ser humano.
- A quarta propriedade é o Sol, luz da Natureza, que começa na liberdade, como um nada, e que imprime o prazer através de Saturno até à propriedade furiosa de Marte; a expansão para fora do calor ansioso de Marte e da dureza saturniana é o brilho da luz natural. Isto dá o entendimento em Saturno, Júpiter e Marte, quer dizer, um espírito que se reconhece nas suas propriedades e que transforma o furor marciano, para fora da angústia, num desejo amoroso.
- São estas quatro formas que constituem a geração espiritual, o verdadeiro espírito da virtude, cuja essência ou corporalidade é o Enxofre. Os nossos ancestrais entenderam isto; e vocês, Rabinos e mestres, se não conseguem entendê-lo e se estão cegos há tanto tempo, isso deve-se ao vosso orgulho.
- A quinta forma é Vénus, o início da corporalidade, da água; ela provém do desejo de Júpiter e de Marte, quer dizer, de um desejo de amor que sai da liberdade e da Natureza — da impressão e da angústia — para alcançar a liberdade; ela tem duas formas: uma ígnea vinda de Marte e uma aquosa de Júpiter; por outras palavras, o seu desejo é celeste e terrestre.
- Celeste, por ser produzido pela tendência da Divindade em se manifestar na natureza; terrestre, pela impressão das trevas em Marte. A essência desse desejo consiste em duas coisas: na água da liberdade e no Enxofre da Natureza manifestante.
- A imagem exterior da Natureza celeste é a água e o óleo; segundo o sol, é a água e segundo Júpiter, é o óleo; na impressão saturniana é, segundo Marte, o cobre e segundo o Sol, o ouro; na impressão terrestre tenebrosa, é o enxofre da Areia, ou seja, as pedras, segundo Marte; porque as pedras provêm dum Enxofre de Saturno e de Marte, na propriedade venusiana quando ela se imprime nas trevas da terra.
- O espírito do pesquisador voa para o Sol, quer dizer, para o orgulho, pensando que tem Vénus; mas ele só consegue agarrar Saturno; se o espírito do pesquisador voasse para a água, para a humildade de Vénus, a pedra dos sábios manifestar-se-ia a ele.
- A sexta forma é Mercúrio, a vida e a separação no amor e na angústia. Em Saturno e em Marte ele pode ser terrestre, pela impressão austera, durante a qual o seu movimento e o seu desejo são dolorosos, ardentes e amargos, produzindo-se no Enxofre terrestre da água como uma agonia venenosa.
- Do lado do prazer livre, Mercúrio está em Júpiter, e em Vénus está a propriedade amável da alegria e da vegetação; segundo a impressão do Saturno celeste e segundo o desejo amoroso de Marte, ele é o pronunciador do Tom. Ele é o tocador do alaúde que Vénus e Saturno lhe apresentam; Marte dá-lhe o tom fora do fogo.
- Aqui, queridos Irmãos, está escondido o mistério. Mercúrio constitui o entendimento de Júpiter, porque ele distingue os sentidos, ele essencializa-os no Enxofre; a sua própria essência consiste na multiplicação do odor e do paladar, ao qual Saturno dá a sua acuidade para formar um sal. Refiro-me aqui ao sal virtuoso da vida vegetativa. Saturno é um trabalhador celeste e terrestre; ele trabalha cada forma segundo a sua propriedade, realizando o que está escrito: Tu és santo com os Santos, e com os perversos tu és perverso.
- Para os santos anjos, o Mercúrio é celeste e divino; e para os diabos, ele é a fúria venenosa da Natureza Eterna segundo a impressão tenebrosa; e assim para todas as coisas: análogo à forma da qual ele é a vida. Ele é o canto dos louvores divinos ou a execração diabólica da inimizade hostil.
- O Mercúrio exterior é a palavra do mundo exterior; e o seu fiat é a impressão saturniana que corporifica a sua palavra. No reino interior da virtude divina, ele é a palavra eterna do Pai, pela qual todas as coisas foram exteriorizadas (por meio do Mercúrio exterior). Esta última é a palavra temporal, a palavra pronunciada, e a precedente é a palavra eterna, a palavra pronunciadora.2
- A palavra interior está escondida dentro da exterior; o Mercúrio interior é a vida da divindade e de todas as criaturas divinas; e o Mercúrio exterior é a vida do mundo exterior e de toda a corporalidade nos seres humanos, nos animais e nas coisas em crescimento, produzindo um princípio que lhes é próprio, imagem do mundo divino; manifestação da Sabedoria divina.
- A sétima forma chama-se Lua; é a essência tomada no Enxofre pelo Mercúrio; é uma fome corporal de todas as formas; as propriedades das seis formas estão incluídas nela, ela é a essência corporal de todas as outras. Ela é como que a mulher das outras formas; e estas dirigem os seus desejos através do Sol para a Lua; o Sol espiritualiza-as e a Lua corporifica-as; ela atrai para si o esplendor do Sol, o que ele realiza na vida espiritual, ela faz na vida corporal; ela é celeste e terrestre; ela possui a menstruação, ou seja, o útero de Vénus; e por ela se coagula tudo o que se torna corpóreo. Saturno é o seu Fiat e Mercúrio o seu esposo; Marte é a sua alma vegetativa e o Sol é o centro do seu desejo; ela só recebe dele a cor branca, não a amarela, nem a vermelha majestosa; a prata é o seu metal, como o ouro é o do Sol.
- Mas como o Sol é um espírito sem essência, Saturno, que é o seu Fiat, guarda em si próprio a sua essência corpórea, até que o dito Sol lhe envie Mercúrio, para se encarregar dele.
- Notem isto, ó Sábios; não é uma fábula enganosa, que o artista nos ouça bem; ele deve introduzir a gema que está em Saturno no Enxofre gerador e pegar no Arquiteto, dividir todas as formas e separar a multidão das fomes; mas é necessário primeiro batizar a perversa criança mercuriana, para que ela seja reconhecida pelo Sol; que ele a leve então para o deserto, e veja se o Mercúrio quer comer o maná, transformar as pedras em pão, voar como um espírito glorioso, ou se precipitar do Templo a baixo, se ele quer adorar Saturno no qual o Diabo se encontra escondido; que o artista observe, portanto, se este Mercúrio recebe o batismo e come o pão de Deus. Se fizer isso e resistir à tentação, os Anjos lhe aparecerão depois de quarenta dias; ele pode então deixar o seu retiro e comer o alimento de que precisa. Para isso, o Artista tem que entender a geração da natureza, caso contrário todo o seu trabalho será em vão; se não receber da graça do Altíssimo, o segredo particular da tintura de Marte e de Vénus, e se não conhecer a planta onde está a Tintura, não conseguirá encontrar o caminho mais curto.
- O corpo lunar dos metais encontra-se no borbulhar terrestre do Enxofre e do Mercúrio; ele contém dentro o filho de Vénus, e Saturno reveste-o com o seu manto. Mas Vénus é má; ela é solar interiormente; ele toma o manto de Marte e cobre-se no seio de Saturno.
- Marte está um grau mais próximo, do que Vénus, do terrestre; depois dele, Mercúrio, reunindo todos os outros, é o que está mais próximo da terra, assim como do céu; finalmente, a Lua é dum lado inteiramente terrestre e do outro inteiramente celeste. Ela é má para os maus e boa para os bons; ela confere aos corpos benignos o melhor de si mesma, e aos maus a maldição da terra corrompida.
- Ora, tudo isto marca cada coisa segundo a propriedade do interior; vocês podem reconhecê-lo nas plantas, bem como nos animais e nos seres humanos.
- Se a propriedade saturniana é poderosa numa coisa, a cor dela é preta, cinzenta, dura, austera, aguda; ela será salgada ou azeda ao gosto, com um corpo magro, comprido, cinzento ou azul escuro, de toque rude; no entanto, esta propriedade raramente domina sozinha numa coisa, porque rapidamente ela desperta Marte devido à sua dura impressão; o que torna o corpo atormentado e o impede de crescer em comprimento, mas lhe dá muitos ramos: como se vê nos carvalhos e nas árvores da mesma espécie.
- Mas se Vénus estiver mais próximo de Saturno, a efervescência do Enxofre saturnino dá um corpo longo e forte: porque ela dá a sua suavidade a Saturno; e quando ela não é oprimida por Marte, o corpo torna-se grande, longo e estreito, quer seja erva, animal ou ser humano.
- Mas se Júpiter for mais forte em Saturno do que Vénus, e se Marte estiver sob Vénus, o corpo será precioso, cheio de virtude, de vigor e de sabor agradável; os seus olhos são azuis e esbranquiçados, de virtude humilde, mas muito poderosos. Se acontecer que Mercúrio esteja entre Vénus e Júpiter, com Marte em último lugar, a propriedade de Saturno será exaltada ao mais alto grau.
- As ervas serão longas, com um corpo medíocre, bem formado, com belas flores brancas e azuis; quando o sol penetra lá dentro, a sua cor puxa para o amarelo; e, desde que Marte não estrague os bons influxos, essa coisa será sublime, seja qual for o reino ao qual ela pertença; ela resistirá a toda a maldade e aos assaltos dos espíritos, quaisquer que eles sejam, desde que o ser humano não incline o seu desejo para o diabo, como fez Adão.
- Com tais ervas pode-se curar sem nenhuma ciência; mas elas são raras, e muitas vezes despercebidas, porque estão muito próximas do Paraíso. A maldição de Deus cega os maus; no entanto, em muitas ervas e animais há grandes segredos desconhecidos.
Notas
- Boehme usa a palavra essência indiferentemente para Ens e para Ser. [ ↑ ]
- Palavra significa Verbo; quanto ao Som ou Tom, é provável que, ao empregar estas palavras, Boehme estivesse a pensar não apenas no que viu nos seus êxtases, mas no que lá ouviu. [ ↑ ]
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