Da Assinatura das Coisas – 8.6. Da Regeneração

  1. O Paraíso ainda está neste mundo, mas o ser humano está longe dele até que a regeneração seja realizada; então ele pode entrar no Paraíso segundo o modo da reintegração, mas não segundo o do Adão elementar.
  2. Assim, aqui está o ouro incrustado em Saturno, com uma forma e uma cor desprezíveis, muito diferentes das de um metal; ainda que ele seja colocado no fogo e que seja fundido inteiramente, só teremos um corpo sem valor e sem virtude, até que o Artista venha tratá-lo: só então, ele manifestará o que está dentro dele.
  3. Da mesma forma, Deus permanece em todas as coisas; mas essas coisas não sabem nada dEle, porque Ele não lhes é manifesto; elas, no entanto, recebem a sua virtude vinda dele, segundo o seu amor e a sua cólera; estes afirmam-se analogamente no exterior; e, no entanto, o bem também está nelas, mas enterrado sob o mal, como as flores perfumadas que crescem à sombra dos arbustos espinhosos.
  4. O mesmo se passa com o ser humano: ele foi criado como uma bela flor paradisíaca; mas ele buscou a propriedade espinhosa da serpente, o centro da fúria natural, a qual despertou nele a morte: o Paraíso retirou-se.
  5. Despertou-se a inimizade e Deus pôde dizer que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente ao mesmo tempo que a serpente tentaria morder o calcanhar da mulher. Quer dizer, a imagem paradisíaca, prisioneira da morte furiosa, deixou de ser governada pela palavra divina, e morreu como o ouro, prisioneiro de Saturno, que permanece desconhecido até à chegada do verdadeiro artista que sabe despertar o Mercúrio.
  6. Assim é com o ser humano que caiu numa imagem grosseira, bestial e morta; o corpo exterior não passa de uma corrupção fedorenta porque subsiste pelo veneno; é um mau arbusto, no meio do qual, porém, podem crescer as rosas interiores. Mas só o Artista pode introduzir o Mercúrio no ouro prisioneiro e fazer reverdejar a suavidade divina neste Verbo de Deus que é o Mercúrio. Cristo pode então nascer e esmagar a cabeça da serpente. A serpente significa veneno, a morte e a cólera de Deus; e a sua cabeça é o poder furioso da morte. Um novo ser humano nasce após esta vitória, que caminha santamente diante de Deus, como o ouro libertado brilha fora da propriedade terrestre.
  7. É aqui que o Artista eleito por Deus descobre que não lhe é necessário proceder diferentemente para o tratamento dos metais do que para o seu próprio tratamento, quando buscava o puro metal interior. Porque o ser humano e a terra são oprimidos pela mesma maldição e ambos precisam duma regeneração idêntica.
  8. Eu advirto o pesquisador, se ele quiser cuidar da sua salvação temporal e eterna, para não se meter no caminho do processo terrestre antes de se livrar da maldição e da morte pelo Mercúrio divino, e antes que ele tenha um conhecimento perfeito da regeneração: de outra forma, os seus trabalhos são vãos, a sua ciência será inútil; o que ele busca está na morte e na cólera; se ele quiser operar a reintegração, é preciso que a vida primitiva se manifeste nele; só então poderá dizer à montanha: “sai daí e atira-te ao mar”, e à figueira: “que não cresçam mais frutos em ti”.
  9. Porque do mesmo modo que o Mercúrio divino vive manifestamente no espírito, a vontade da alma imagina qualquer coisa; o Mercúrio acompanha essa imaginação e acende o Mercúrio da morte, que é a figura pela qual o Deus vivo se manifestou.
  10. Eu sei e pressinto que os escarnecedores, marcados pelo diabo, troçarão do que eu escrevo sobre o Mercúrio interior e exterior, entendendo pelo primeiro a palavra de Deus, manifestação do abismo eterno, e pelo segundo, o diretor da Natureza, instrumento da palavra interior, viva e forte. Os Sofistas alteram isto tudo, dizendo que eu tomo a Natureza por Deus; mas que eles prestem atenção ao que eu escrevo: o meu estilo não é pagão, mas teosófico; e a sua base é mais sublime que a do Arquiteto exterior.1

Notas

  1. A prática é muito difícil para o Médico ou para o Alquimista; Boehme insistiu bastante sobre a condição indispensável para o sucesso dos trabalhos do laboratório; o leitor tomará como certo que não se trata de uma fraseologia ociosa e, por conseguinte, só poderá usar estas páginas como uma preparação distante. Quanto mais nós avançamos, mais escassas são as nossas notas, são sempre os mesmos termos que o autor emprega e o mesmo rumo que ele segue; com atenção, o leitor poderá, portanto, conceber perfeitamente as suas ideias; depois compreendê-las e, por fim, realizá-las. [  ]
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