Da Assinatura das Coisas – 7.2. A Imaginação Falsa e Funesta

  1. Consideremos agora o que foi a serpente enganadora, quão grande era a sua astúcia, pela qual Adão e Eva imaginaram; por que esses dois comeram do fruto proibido, qual é a sua salvação, onde está o Mal e o Bem, qual é a propriedade da vida eterna, a da morte eterna, qual é a cura da doença de Adão, a saber, a vida temporal e eterna.
  2. Que o leitor preste atenção ao espírito das palavras que vão ser pronunciadas; nós não temos o poder de lhe dar a compreensão delas: isso pertence a Deus. Mas se ele quiser entrar, as portas vão ser abertas para ele.
  3. O Diabo era um anjo esplêndido, a serpente era o melhor de todos os animais, e o ser humano era a imagem da divindade: ora, todos os três morreram por causa da sua imaginação e do seu orgulho, e levaram consigo a maldição de Deus.
  4. Tudo o que é eterno tem uma origem comum: assim são os anjos e as almas, mas não a serpente. Acima, demos a entender como, quando o fogo acende a efervescência de Salitre, se separam os dois reinos da eternidade e do tempo, como a eternidade reside no tempo, unida a ele como o fogo está unido à luz, embora sejam dois.
  5. Nós veremos como o Mercúrio venenoso, que começa no diabo, estraga o óleo no ser humano e na serpente sem corromper a essência divina, depois aniquila-se em si próprio, enquanto que o Mercúrio criatural, que nasce com a criatura, sai de si mesmo, isto é, passa da Eternidade ao Tempo, para se buscar a si próprio, se afirmar e constituir para si uma ipseidade, ao passo que, se ele se tivesse nutrido pela Eternidade, a sua angústia dolorosa não se teria manifestado.
  6. Ao que tende o nada eterno: a liberdade muda não se manifesta nesse nada, mas sim em si mesma, isto é, em Deus; cada fome ou desejo cria para si a essência que lhe é adequada.
  7. Assim, o Diabo faz-se das Trevas, nas quais mergulha segundo a propriedade do centro, abandonando a Eternidade, ou desejo de amor. Ele acendeu-se assim no seu Mercúrio venenoso, tornando-se num borbulhar ígneo da Angústia nas trevas: assim como a lenha queimada se torna num carvão sem luz, óleo ou água. Nada mais flui das formas da propriedade diabólica do que um aguilhão de hostilidade que lança as formas umas contra as outras multiplicando-as.
  8. A serpente estava num estado semelhante: Quando Deus disse: que todos os tipos de animais se manifestem, cada um de acordo com a sua propriedade, os animais saíram, de fato, de todas as propriedades da Natureza; o Diabo quis dominar sobre o amor e a suavidade divinos; para isso ele introduziu o seu desejo na cólera, no poder severo do qual a vida venenosa escapa; é desse Fiat da propriedade furiosa que saíram as serpentes, as víboras, os sapos e os outros animais venenosos; não que o diabo os tenha feito: ele não pode; mas a criatura foi determinada para o bem ou para o mal de acordo com o que era o desejo na impressão do Fiat.
  9. Nessa impressão, fonte do Mercúrio e da vida exterior, fazia-se a separação do mundo e de Deus, como uma imagem do abismo e um espelho da eternidade. A fúria interna manifestou-se então; é por isso que Deus é chamado de Deus colérico e ciumento, um fogo consumidor. O prazer eterno, que é Deus, desperta na natureza o desejo da manifestação eterna e, entregando-se ele próprio a esse desejo, transforma a sua fúria numa plenitude de alegria.
  10. Assim é com a delicadeza da serpente. A acuidade do sabor e do odor das coisas reside no seu veneno. A luz eterna é gerada pela exaltação do Pai; ela sai da angústia para voltar para o nada da liberdade; lá, o fogo e a luz tornam-se num desejo que é a alegria divina; o Mercúrio toma aqui o nome de palavra eterna ou nascimento da divindade.
  11. Esta emanação do fogo mágico espiritual produz uma geração da palavra, das virtudes e das cores; e o desejo deste Mercúrio também leva consigo a virtude e, tornando-o essencial, extrai dela a suavidade e o amor que extinguirão a fúria do Pai eterno para o mudar em alegria.
  12. Essa essência ígnea dá duas propriedades: uma oleosa, celeste e deslumbrante; e uma poderosa, animada pelo movimento da impressão eterna da qual emana o ar divino ou o esplendor daquela luz amorosa que é o espírito de Deus.
  13. Da mesma forma, saibam que o amor eterno (isto é, a essência celeste) se espalhou no Fiat da criação para transportar a cólera paterna até à alegria, que é a forma da natureza eterna; lá onde a natureza da fúria foi exaltada pelo Fiat, o desejo estendeu-se ainda mais em direção à liberdade, para se livrar da fúria e se transportar para a alegria; é assim que a mais nobre e mais sublime das tinturas: o desejo da fome furiosa, recebe o seu alimento: a liberdade. Porque, no começo, todas as coisas foram criadas boas, até mesmo o diabo e a serpente.
  14. Mas como o diabo se elevou no mais alto desejo ígneo, Deus afastou-se dele, como a luz duma tocha que se apaga, e ele foi reduzido a viver pelo seu próprio desejo. Mas como ele sabia que a serpente possuía uma tintura semelhante à sua, ele infiltrou-se nela com o seu desejo e atacou o ser humano para introduzi-lo a essa propriedade. Com efeito, a tintura da serpente compreendia um Mercúrio morto da frigidez da impressão e um Mercúrio da propriedade furiosa; a impressão fria produzida pela morte da fúria é terrestre; e a ígnea sai do veneno vivo do Mercúrio, e é nela que consiste a vida espiritual.
  15. Assim, Adão e Eva foram infectados com o desejo diabólico pela Serpente: pela propriedade mortal e terrestre desta, e pela propriedade furiosa, venenosa e viva da fúria divina que pertencia ao diabo; e o seu óleo divino ou essência celeste secou.
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