Da Assinatura das Coisas – 2.1. A Medicina dos Três Reinos

CAPÍTULO DOIS

DA OPOSIÇÃO E DO COMBATE NO SER DE TODOS OS SERES

Resumo: — A medicina dos três reinos — As três primeiras formas no ser humano e no mundo físico — A alquimia — A tempestade.

  1. Pelo número infinito das formas, cada uma produzindo a sua vontade diferente, nós podemos deduzir que a Adversidade também existe na primeira Essencialidade, e também que as peripécias dessa luta, onde uma ESSÊNCIA ataca sempre a outra, e quando ela a rompe e a vence, a introduz numa outra forma, engendram as doença e as dores.
  2. Nisto reside o fundamento da medicina, isto é, a arte de temperar as ESSÊNCIAS uma pela outra e de conduzi-las todas para uma saúde harmoniosa; sem essa luta, não haveria nem natureza nem vontade, mas um eterno nada; porque a vontade causa o movimento, o qual tende ao repouso e excita-se ao buscá-lo.
  3. O papel do médico consiste em igualar as vontades: elas tendem, aliás, como na mais soberana alegria, a unirem-se com os seus semelhantes: reproduzindo-se assim a igualdade da Natureza eterna,1 assim como a sua Paz eterna.2
  4. Então, essas coisas não se manifestando por fora, só podem sê-lo pelo combate que travam entre si, querendo constantemente fugir desses embates e reencontrar a tranquilidade perdida.
  5. Nós percebemos assim que o melhor médico da Contrariedade é a Liberdade, que é uma luz e semelhante ao desejo do espírito; e que a avidez da ESSÊNCIA3 é a igualdade: dois alimentos pelos quais a fome da Adversidade (do Combate) pode ser aplacada e deixar de INQUALIFICAR.4
  6. Visto que, portanto, a vida humana consiste no jogo de três PRINCÍPIOS, numa tripla ESSÊNCIA e possui um triplo espírito de cada propriedade da ESSÊNCIA, o qual ternário é: 1) o Fogo central, 2) a Luz eterna e a propriedade do ser divino, 3) a propriedade do mundo exterior; temos que considerar como cada espírito combate com a sua ESSÊNCIA e em que consiste a cura, quer dizer, o remédio da harmonia.5
  7. Para além da Natureza está o Nada, como silêncio e descanso eternos. Nesse Nada surge, desde toda a eternidade, uma Vontade em direção a qualquer coisa; e essa qualquer coisa, que ela deseja, é ela própria; visto que não há nada para além dela própria. Essa avidez é a propriedade da fome que se satisfaz encontrando-se a ela própria; e esse engolir6 produz a escuridão.7

Notas

  1. A Natureza eterna é formada pelos dois princípios eternos, Positivo e Negativo, que estão como que combinados em perfeita união. Estes dois primeiros princípios são o Purusha e a Prakriti védicos, a Energia e a substância, o Yin e o Yang chineses; mas a concepção de Boehme é diferente; esta pode levar a uma melhor compreensão da Cabala e do Tao. [  ]
  2. A Liberdade eterna contém, e é ela própria, a Vontade (ver as Quarenta Questões, 1ª). Elas incluem as liberdades ou as vontades particulares. Cada vontade tende, por definição, para alguma coisa, para se apropriar dela, para se contemplar nela. Ela é, portanto, o seu próprio espelho e o objeto do seu desejo é ela mesma (Idem, 1ª). Mas o desejo, que consiste numa atração fervilhante e centrípeta, é a treva da vontade. Ele é a projeção, a faculdade da vontade, se compreendi bem, e eles não se podem manifestar um sem o outro; assim, a partir do momento em que a vontade deseja, ela fica nas trevas e, consequentemente, na angústia, porque as trevas não são a sua morada; ela, portanto, deseja sair delas; «mas lá, não se sente nada para além de uma fonte de cólera em si próprio, a qual, pela sua atração, produz a rudeza e a dureza, o que a vontade não consegue suportar, e assim ela agita a raiz do fogo no relâmpago como foi dito acima». A partir daí, a vontade reconcebida volta a si mesma e, tendo dispersado as trevas, reencontra uma alegria agradável. «A vontade, nas trevas, sempre suspira procurando essa alegria; daí surge o desejo, e assim é uma aliança eterna que nunca pode ser quebrada.» (Drey. Princip., cap. xxi, 17-20, trad. Saint-Martin). Veja também o §4 seguinte. [  ]
  3. Sobre a Essência, veja a Chave, p. 264, edição de 1682. [  ]
  4. INQUALIFICAR expressa a ação dum agente penetrando num meio e saturando-o. [  ]
  5. Vemos que, para Boehme, a criação vem do combate das sete forças da Natureza Eterna; à centenas de séculos e milhares de léguas de distância, Krishna ensina a Arjuna (Bagavad Gita, cap. viii) que todas as produções de matéria emergem do princípio latente quando mil eras (uma noite de Brahma) se passaram; quando esse momento se aproxima, elas manifestam-se espontaneamente.
    «Damos-vos a entender, escreve Boehme (Encaranação de Jesus Cristo, 3ºp., V, 3), que no eterno (na eternidade) só existem dois princípios: 1º o fogo ardente que a luz preenche; ela dá-lhe a sua propriedade, de modo que do tormento agudo surge o grande reino da alegria, porque a angústia alcança a liberdade, de modo que o fogo ardente é apenas uma causa para encontrar a vida e a luz da majestade; o fogo atrai para si a propriedade da luz ou da suavidade, e a luz atrai para si a propriedade do fogo, como uma vida e um achar (a si); 2º o outro princípio significa a luz; mas a substancialidade essencial, com que o fogo arde, permanece eternamente uma treva e uma fonte da fúria na qual Satanás habita, tal como se vê que o fogo é outra coisa diferente da matéria com o qual ela queima.»
    Retenhamos estas ideias primordiais da Natureza eterna e da dualidade primitiva cujos movimentos opostos veremos desenvolver-se. [  ]
  6. Ver o símbolo do Ouroboros, a serpente Ananta, no astral. [  ]
  7. Em hebraico Hoschek, Hosh'-Ach, movimento violento, causado pelo ardor interno, com contração em direção ao centro. [  ]
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