A Sabedoria em Jacob Boehme - 4. A Sabedoria, desejo de Deus

  1. Na absoluta solidão da Divindade pura, nada nasce. Quando essa Divindade se torna Deus, a Sabedoria é a promessa de todos os nascimentos vindouros. Ela é a plenitude que empurra Deus para fora de si mesmo, para se tornar imanente na esfera da natureza eterna. É uma plenitude futura, mas que está latente no seio de Deus. Toda a manifestação divina tenderá a atualizá-la.
  2. A Sabedoria não é apenas o seu conteúdo, ela é também o seu espírito ativo. Certo, a Sabedoria não criará. É o Verbo que será o demiurgo, chamado por Boehme verbum fiat. No entanto, é de fato a Sabedoria que levará as obras divinas até à sua perfeição última, segundo a sua maternidade virginal. A Sabedoria será a beleza das coisas, não apenas na sua realização, sob o cinzel do demiurgo, mas no seu florescimento superior. A Virgem Mãe engendrará as coisas segundo o ser mais profundo delas. Ela será o esplendor das coisas, o seu brilho.
  3. Antes de entrar no ciclo da natureza, Deus ainda não tem, propriamente, a visão dessa beleza sublime que será a sua e a das coisas a criar: Deus brilhará nas coisas, na sua criação. A beleza das coisas é o esplendor divino personificado pela Sabedoria. Esse esplendor preexiste às coisas, assim como a Sabedoria que o personifica. Mesmo antes das coisas existirem, Deus já se deleita nelas na sua Sabedoria. No entanto, ele aspira a vê-las verdadeiramente e a saborear-se nelas.
  4. O símbolo do espelho sugere o despertar do desejo em Deus. Toda a vida divina será reduzida ao desejo de Deus de gerar a plenitude, da qual ele tem a presciência e que, no início das suas vias, está reunida na forma humana de Cristo, à qual se identifica a Sabedoria eterna. Essa forma, Deus não a vê, mas de uma certa maneira, que não é definida, ele saboreia-a. A imagem primordial é já um objeto de beatitude para Deus, como indica a palavra Lust, nome dado à Sabedoria. Ora, essa primeira felicidade transforma a vontade pura em desejo. A Sabedoria é tanto a felicidade quanto o desejo de Deus. Este sentido duplo existe na palavra Lust.
  5. Mas esse Deus, que se deleita no jogo puro, pode ser afetado pelo desejo? Esse Deus não deve ser determinado por nada, é aí que reside a sua liberdade absoluta. O desejo não é constringente? Nós queremos o que nos falta e do qual sentimos a necessidade. Deus está sujeito à necessidade?
  6. Quando aplicada à Sabedoria, a palavra Lust está associada à palavra Liebe. O desejo de Deus é o seu amor. A Sabedoria é esse desejo de amor que é uno com a beatitude divina, porque é um desejo eternamente realizado. A necessidade está, portanto, ausente.
  7. O desejo de amor só se manifesta realmente na natureza eterna.26 No entanto, ele preexiste a ela. À medida que a teosofia de Boehme se elabora, ele aparece como que por antecipação. Aquilo que Boehme diz de Deus, ao considerá-lo fora da natureza, afirmando no entanto que só a natureza o revela, é uma maneira de antecipação. De fato, Deus ainda não nasceu. Igualmente, é somente no termo da natureza que a Sabedoria o manifestará plenamente. Mas essa antecipação era necessária para que o sistema de Boehme ficasse completo. Sem o desejo de amor e sem a promessa de plenitude que o motiva, como podemos admitir que Deus se engaja nas trevas? Porquê essa morte de Deus que é paradoxalmente o primeiro ato da manifestação divina? Essa natureza precisa duma causa. Só pode ser o desejo de Deus, o seu desejo de amor.
  8. É assim que a Sabedoria eterna, que preexiste à natureza, se torna na pedra angular da teosofia de Boehme. Diz-se que a natureza é eterna, mas a eternidade da Sabedoria é mais perfeita. Certo, não é mais a eternidade absoluta do Ungrund quando este é Divindade pura sem nenhuma origem. A eternidade da Sabedoria é concebida segundo um começo, uma fundação, como indica a palavra Grund. No entanto, é o primeiro de todos os começos. Quando a própria natureza for fundada, será um outro começo, que Boehme dirá ser eterno, mas a eternidade tem graus. Mas é a Sabedoria que está verdadeiramente no começo das vias divinas.

Notas

  1. Mysterium Magnum, XIII, 17. [  ]
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