A Sabedoria em Jacob Boehme - 4. A Sabedoria, desejo de Deus
- Na absoluta solidão da Divindade pura, nada nasce. Quando essa Divindade se torna Deus, a Sabedoria é a promessa de todos os nascimentos vindouros. Ela é a plenitude que empurra Deus para fora de si mesmo, para se tornar imanente na esfera da natureza eterna. É uma plenitude futura, mas que está latente no seio de Deus. Toda a manifestação divina tenderá a atualizá-la.
- A Sabedoria não é apenas o seu conteúdo, ela é também o seu espírito ativo. Certo, a Sabedoria não criará. É o Verbo que será o demiurgo, chamado por Boehme verbum fiat. No entanto, é de fato a Sabedoria que levará as obras divinas até à sua perfeição última, segundo a sua maternidade virginal. A Sabedoria será a beleza das coisas, não apenas na sua realização, sob o cinzel do demiurgo, mas no seu florescimento superior. A Virgem Mãe engendrará as coisas segundo o ser mais profundo delas. Ela será o esplendor das coisas, o seu brilho.
- Antes de entrar no ciclo da natureza, Deus ainda não tem, propriamente, a visão dessa beleza sublime que será a sua e a das coisas a criar: Deus brilhará nas coisas, na sua criação. A beleza das coisas é o esplendor divino personificado pela Sabedoria. Esse esplendor preexiste às coisas, assim como a Sabedoria que o personifica. Mesmo antes das coisas existirem, Deus já se deleita nelas na sua Sabedoria. No entanto, ele aspira a vê-las verdadeiramente e a saborear-se nelas.
- O símbolo do espelho sugere o despertar do desejo em Deus. Toda a vida divina será reduzida ao desejo de Deus de gerar a plenitude, da qual ele tem a presciência e que, no início das suas vias, está reunida na forma humana de Cristo, à qual se identifica a Sabedoria eterna. Essa forma, Deus não a vê, mas de uma certa maneira, que não é definida, ele saboreia-a. A imagem primordial é já um objeto de beatitude para Deus, como indica a palavra Lust, nome dado à Sabedoria. Ora, essa primeira felicidade transforma a vontade pura em desejo. A Sabedoria é tanto a felicidade quanto o desejo de Deus. Este sentido duplo existe na palavra Lust.
- Mas esse Deus, que se deleita no jogo puro, pode ser afetado pelo desejo? Esse Deus não deve ser determinado por nada, é aí que reside a sua liberdade absoluta. O desejo não é constringente? Nós queremos o que nos falta e do qual sentimos a necessidade. Deus está sujeito à necessidade?
- Quando aplicada à Sabedoria, a palavra Lust está associada à palavra Liebe. O desejo de Deus é o seu amor. A Sabedoria é esse desejo de amor que é uno com a beatitude divina, porque é um desejo eternamente realizado. A necessidade está, portanto, ausente.
- O desejo de amor só se manifesta realmente na natureza eterna.26 No entanto, ele preexiste a ela. À medida que a teosofia de Boehme se elabora, ele aparece como que por antecipação. Aquilo que Boehme diz de Deus, ao considerá-lo fora da natureza, afirmando no entanto que só a natureza o revela, é uma maneira de antecipação. De fato, Deus ainda não nasceu. Igualmente, é somente no termo da natureza que a Sabedoria o manifestará plenamente. Mas essa antecipação era necessária para que o sistema de Boehme ficasse completo. Sem o desejo de amor e sem a promessa de plenitude que o motiva, como podemos admitir que Deus se engaja nas trevas? Porquê essa morte de Deus que é paradoxalmente o primeiro ato da manifestação divina? Essa natureza precisa duma causa. Só pode ser o desejo de Deus, o seu desejo de amor.
- É assim que a Sabedoria eterna, que preexiste à natureza, se torna na pedra angular da teosofia de Boehme. Diz-se que a natureza é eterna, mas a eternidade da Sabedoria é mais perfeita. Certo, não é mais a eternidade absoluta do Ungrund quando este é Divindade pura sem nenhuma origem. A eternidade da Sabedoria é concebida segundo um começo, uma fundação, como indica a palavra Grund. No entanto, é o primeiro de todos os começos. Quando a própria natureza for fundada, será um outro começo, que Boehme dirá ser eterno, mas a eternidade tem graus. Mas é a Sabedoria que está verdadeiramente no começo das vias divinas.
Notas
- Mysterium Magnum, XIII, 17. [ ↑ ]
[ Anterior ] | [ Índice do Livro ] | [ Seguinte ] |
Início » Textos » Sabedoria em Jacob Boehme » 4. A Sabedoria, desejo de Deus