Da Assinatura das Coisas – 15.4. O Espírito e a Letra
- O verdadeiro cristão deve sê-lo em espírito; tem que trabalhar para dar uma forma a esse espírito, não apenas por palavras, mas por obras; não basta pregar, mas também é necessário morrer realmente ao eu, para renascer, pela vontade de Deus, no Amor, como artífice dos Seus milagres; tem que fazer a sua parte no concerto divino, no Verbo perpetuamente criador, tem que operar o que Deus faz e cria.
- Observa portanto, ó cristandade, se tu trabalhas de acordo com o Verbo ativo de Deus, se não estás simplesmente na forma do cristianismo, enquanto que o teu eu age na vaidade. Vê como tu te tornaste numa abominação diante do Altíssimo, cujo Verbo tu perverteste, ao recobrires-te com ele; esse manto de falsidade será descoberto. É preciso que tu quebres essa forma falsa; o Céu te ajudará a destruir a obra que tu realizaste na turba, ao adornares-te erradamente com o verdadeiro Nome, enquanto tu só servias o ser humano terrestre.
- O verdadeiro servo será procurado, o Senhor reunirá as suas ovelhas, os orgulhosos aprenderão qual é o julgamento do Senhor, toda a esperança ateia será quebrada, porque o dia da colheita se aproxima. O temor do Senhor faz o mundo tremer, a Sua voz ressoa até aos confins da terra, e a estrela dos seus milagres levanta-se. Ninguém prevê isso, porque esse segredo está trancado no conselho dos vigilantes.
- Portanto, que cada um se examine, porque o tempo avança. Todos os desejos falsos foram encontrados na turba; e o grande motor de todos os seres descobre o que estava escondido nessa turba, e cada coisa regressará ao seu guardião eterno. Tudo veio do desejo, tudo terminará no desejo, e todo desejo recolherá o seu grão. O milagre da eternidade tomou a forma temporal e retornará ao seu primeiro lugar. Todas as coisas regressarão ao ponto de onde partiram, mas conservando a forma própria que criaram no Verbo pronunciador: é o fim dos tempos. Porque todas as coisas foram geradas a partir desse Verbo, que assinou a sua forma interior e a sua forma exterior.
- A vontade própria dá uma forma própria, mas a vontade abandonada dá uma forma segundo a eternidade; como a Sabedoria divina agiu antes da criação, a vontade eterna produz uma forma para a glória de Deus. Aquilo que é individual modela-se a si próprio, mas o que é livre recebe a vontade livre; a forma própria não pode herdar do Ser Único, porque onde há duas vontades num ser único, há luta.
- Porque Deus é Um, tudo o que quer viver n'Ele tem que se submeter à Sua vontade. Uma viola tem que ser harmonizada, apesar de cada uma das suas cordas dar um som diferente, passa-se o mesmo com a harmonia humana; e se um espírito volitivo não quiser submeter-se à harmonia, será rejeitado para junto dos seus semelhantes.
- Se um espírito se tornou mau, irá com os maus, porque toda a fome busca o seu análogo. A manifestação eterna nada mais é do que uma fome; tal é esta fome, tal é a sua realização; ela é o começo da criatura, e ela é também a sua reintegração. Pela fome o espírito gera-se com o corpo; por ela, ele entra na eternidade, morrendo a si próprio, e a morte é o único meio pelo qual o espírito pode mudar de forma. Se ele morrer a si próprio, fará brotar um novo rebento, não mais segundo a sua fome primeira, mas segundo a sua fome eterna; se uma coisa regressa ao seu nada, regressa ao Criador e faz aquilo a que a vontade eterna a destinou, tal é o verdadeiro fim da eternidade.
- Tudo o que circula na Natureza se atormenta. Mas o que chega ao fim da Natureza atinge o repouso e age na unidade do desejo. O que produz o combate na Natureza produz em Deus a alegria, porque todo o exército Celeste está ordenado numa única harmonia. Cada reino angélico é um instrumento e todos em conjuntos constituem a sinfonia do Amor divino. Aquilo que Deus é em si mesmo, a criatura é-o em si: Deus-Anjo, Deus-Ser Humano, Deus Tudo-em-todos, e fora d'Ele, não há mais nada. Como tudo era antes do tempo, toda a criação permanece n'Ele na eternidade: tais são o começo e o fim.
[ Anterior ] | [ Índice do Livro ] | [ Seguinte ] |
Início » Textos » Assinatura das Coisas » 15.4. O Espírito e a Letra