A Sabedoria Divina - Apresentação
A mais alta união é com A Sabedoria Divina
«Ó almas que quereis andar seguras e consoladas nas coisas do espirito! se soubésseis quanto vos convém padecer, sofrendo, para chegar a essa segurança e consolo, e que sem isto se não pode chegar àquilo que a alma deseja, mas antes se volta para trás, de maneira alguma buscaríeis consolação nem de Deus, nem das criaturas; mas antes levaríeis a cruz, e posta nela quereríeis ali beber fel e vinagre puro, e isso teríeis em grande dita, vendo como, morrendo assim ao mundo e a vós mesmas, viveríeis para Deus em deleites de espirito; e assim, sofrendo com paciência e fidelidade o pouco exterior, mereceríeis que Deus pusesse os olhos em vós para vos purgar e limpar mais interiormente por meio de alguns trabalhos espirituais mais de dentro, para vos dar bens mais interiores.
Porque muitos serviços hão-de ter prestado a Deus e muita paciência e constância hão-de ter tido por Ele, e muito aceites hão-de ter sido diante d'Ele na sua vida e obras os que d'Ele recebem tão assinalada mercê de serem tentados mais interiormente a fim de os avançar em dons e merecimentos, como fez ao Santo Tobias, a quem disse S. Rafael, «que por ter sido aceite por Deus, lhe tinha feito aquela mercê de lhe enviar a tentação», que mais o provasse para mais o engrandecer (XII, 13). E assim tudo o que lhe restou de vida depois daquela tentação o passou em gozo, como diz a Escritura Divina. Isso mesmo vemos no Santo Job que, por ter aceite a prova lhe aceitou Deus as suas obras diante dos espíritos bons e maus, logo lhe fez a mercê de lhe enviar aqueles grandes trabalhos para depois o engrandecer mais, como fez, multiplicando-lhe os bens no espiritual e no temporal.
Da mesma maneira procede Deus com aqueles que quer avançar com o dom principal, que os faz e deixa tentar para os levantar tanto quanto pode ser, que é chegar à união com a sabedoria divina, a qual, como diz David, «é prata purificada no fogo, provada na terra» (Ps. XI, 7), isto é, da nossa carne, e purificada sete vezes, que é o mais que pode ser. E não há motivo para nos determos mais aqui a dizer o que são estas sete purificações e qual é cada uma delas em particular, para chegar a esta sabedoria, e como lhes correspondem sete graus de amor na mesma sabedoria.»1
Na adega interior
«Para dizer algo desta "adega" e declarar o que aqui a alma quer dizer ou dar a entender, era imprescindível que o Espírito Santo tomasse a mão e movesse a pena.
Esta adega que a alma aqui menciona, é o último e mais íntimo grau de amor em que a alma se pode colocar nesta vida, e por isso lhe chama "adega interior", quer dizer, a mais interior. Daqui se depreende que há outras, não tão interiores, que são os degraus de amor por onde se sobe até este último degrau.
E podemos dizer que estes degraus ou adegas de amor são sete, os quais se têm todos quando a alma chega a ter os sete dons do Espírito Santo, como a perfeição com que é capaz de os receber.
E assim, quando a alma chega a ter com perfeição o espírito de temor, possui já em perfeição o espírito de amor, porque aquele temor, que é o último dos sete dons, é filial; e o temor perfeito do filho sai do amor perfeito do pai, e assim, quando a Escritura Divina quer chamar a alguém "perfeito no amor de Deus", chama-o "temeroso de Deus".
Daqui, profetizando Isaias a perfeição de Cristo, disse: Replebit eum spiritus timoris Domini (Is 11, 3). Que quer dizer: «Será cheio do espírito do temor de Deus». Também S. Lucas chamou timorato ao santo Simeão, dizendo: «Erat vir justus, et timoratus» (Lc 2, 25). E assim de muitos outros.»2
Notas
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