Aurora Nascente - 10. Quinta parábola: Da casa dos tesouros que a Sabedoria construiu sobre a pedra

  1. A Sabedoria construiu a sua casa 1; quem nela entrar será salvo e encontrará as pastagens 2, como atesta o Profeta ao dizer: Eles ficarão inebriados com a abundância da tua casa 3, pois é melhor um dia nos teus átrios do que mil outros dias 4!
  2. Oh, bem-aventurados são os que habitam nesta casa 5: quem nela pede, recebe; quem procura, encontra, e aquele que bate, será recebido 6.
  3. A própria sabedoria está perto da entrada e diz: Vede, estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, irei até ele e ele virá até mim e, juntos, nos saciaremos, eu com ele e ele comigo 7.
  4. Oh, como é grande a abundância da tua doçura, que reservaste para aqueles que entram nesta casa 8; nenhum olho a viu (a doçura), nenhum ouvido a escutou, nem ela atingiu o coração do homem 9.
  5. Aqueles que abrem esta casa terão a santidade e a longevidade que lhes convém 10, pois ela foi construída sobre rocha firme 11 que não pode ser cindida a não ser com o melhor sangue de um bode 12, ou se ela for golpeada três vezes com a vara de Moisés, para que se escoem as águas abundantes e o povo de homens e mulheres possa beber 13, e eles não terão mais fome, nem sede 14.
  6. Aquele que pela sua ciência abrir a casa, nela encontrará uma fonte viva, inexaurível e rejuvenescedora 15, quem nela for batizado será salvo e jamais envelhecerá.
  7. Mas, que pena, poucos a abrem, e são como crianças, a sua inteligência é a das crianças 17, mas se essas crianças narrarem tais coisas e usurparem as cadeiras dos vinte e quatro anciãos, não há dúvida de que, pela sua dignidade e pelo nível a que terão chegado, poderão abrir a casa 18, a fim de contemplar face a face, olhos nos olhos, a plena magnificência do sol e da lua 19; mas sem eles (os mais velhos), nada conseguirão.
  8. Aqueles que possuem as chaves do reino dos céus, tudo o que ligarem será ligado e o que desligarem, será desligado 20.
  9. Pois eles seguem o Cordeiro onde quer que ele vá 21.
  10. A beleza desta casa é indescritível: as suas paredes são de ouro puríssimo, e as suas portas brilham com o fulgor das pérolas e das pedras preciosas 22; possui quatorze pedras angulares, que contêm as virtudes principais de todo o fundamento.
  11. A primeira é a saúde, da qual diz o Profeta: (ela) cura os corações contritos e alivia as suas dores 23.
  12. E os filósofos: Quem a utiliza (a pedra) conserva um corpo vigoroso 24.
  13. A segunda é a humildade, da qual se diz: E ele viu a humildade da sua serva 25.
  14. Eis que desde agora todas as gerações me proclamarão bem-aventurada.
  15. E o Profeta diz: O Senhor eleva os prostrados 26.
  16. E Aristóteles escreve a Alexandre: Não é bom lutar com esta pedra 27.
  17. Alphidius também diz: Se alguém é humilde, a sua sabedoria alcançará a perfeição.
  18. A terceira é a santidade, da qual diz o Profeta: Com o santo serás santo 28; e também: a santidade e a magnificência (estão) na sua santificação 29.
  19. E Alphidius: Sabe, não poderás ter esta ciência se não purificares o teu espírito para Deus, isto é, se não destruíres no teu coração toda a corrupção 30.
  20. E na Turba lemos: Eu abandonei os prazeres mundanos e orei a Deus para que me mostre a "água pura", que eu sei ser um vinagre puro 31.
  21. A quarta é a castidade, sobre a qual se lê: Quando eu o amar, serei pura, quando eu o tocar, serei casta 32; ele, cuja mãe é virgem e cujo pai não coabitou com ela, ele, que se alimentou de leite virginal 33, etc.
  22. Por isso Avicena diz no seu escrito sobre os minerais: Alguns, engenhosamente, utilizam uma água que é chamada leite de virgem 34.
  23. A quinta é a força (atuante) da qual se diz: A força orna a alma.
  24. E Hermes: Ele recebe a força dos planetas superiores e inferiores e penetra com a sua força toda a coisa sólida 35.
  25. Lê-se no livro da Quintessência: Eu não me cansava de admirar a grande força eficaz desta coisa, posta e infundida nela pelo céu 36.
  26. A sexta é a vitória, sobre a qual diz Hermes: E ela (a pedra) vencerá toda a coisa sólida e até mesmo as pedras preciosas.
  27. E João diz no Apocalipse: Eu darei ao vencedor um maná sutil e oculto, e um novo nome que a boca de Deus designará 37.
  28. E no livro da Quintessência: Quando se tiver produzido a pedra da vitória, eu ensinarei como se pode formar com uma pedra desta matéria esmeraldas, jaspes e verdadeiros crisólitos que sobrepujam e ultrapassam em cor, substância e força as naturais, etc. 38
  29. A sétima é a fé, acerca da qual lemos: A fé salva o homem 39, e se alguém não a tiver, não poderá ser salvo.
  30. A fé consiste em compreender-se o que não se vê 40.
  31. E na Turba: Ela é invisível como a alma no corpo humano 41.
  32. E no mesmo livro diz-se ainda: Dois elementos são visíveis, a terra e a água, os outros não o são: o ar e o fogo 42.
  33. E Paulo: Quem acreditar nele não será confundido, pois para os que não acreditam será pedra de tropeço e rocha de escandalo 43.
  34. E no Evangelho lê-se: Aquele que não acreditar já está julgado 44.
  35. A oitava é a esperança, acerca da qual se diz: A esperança firme alegra as coisas, a esperança promete sempre um bom fim.
  36. E Morienus diz: Espera e espera, e atingirás a meta.
  37. E o Profeta: Esperai nele, ó vós, toda a assembleia do povo 45, os nossos pais esperaram nele e foram libertos 46.
  38. A nona é o amor, do qual o Apóstolo disse: A caridade tudo suporta, ela não se vinga 47.
  39. E o Evangelista: Eu amo os que me amam 48.
  40. Aquele que ama em qualquer circunstância, esse é um amigo 49.
  41. E Alphonsus (rex) diz: Eis o verdadeiro amigo, aquele que não te abandona mesmo que o mundo inteiro te abandone.
  42. E Gregório 50: A pedra de toque do amor é a apresentação da obra.
  43. E Jó: O homem dará tudo o que tiver pela sua alma 51, isto é, por esta pedra.
  44. Pois aquele que semeia pouco, colherá pouco 52; quem não tiver partilhado a paixão, não poderá compartilhar a consolação 53.
  45. A décima é a benignidade, acerca da qual se diz: Tu não sabes que a benignidade de Deus te conduz à penitência.
  46. Benigno é o juiz, para dar a cada um segundo as suas obras 54!
  47. Pois a benignidade paga o mal com o bem, dá muito por pouco (a simples bondade, ao contrário, paga o bem com o bem e o pouco com o pouco).
  48. A décima primeira é a paciência, da qual se diz: Se quiseres vencer, aprende a ter paciência.
  49. E o Apóstolo: Mediante a paciência e a consolação das Escrituras, tenhamos esperança 55.
  50. Morienus também diz: Quem não tem paciência, retire a mão da Obra 56, e Caled Minor: Três coisas são necessárias, a saber, paciência, ponderação e a manipulação hábil dos instrumentos 57.
  51. E o Apóstolo: Sede pacientes, pois o Advento do Senhor se aproxima, etc. 58
  52. A décima segunda é a temperança, sobre a qual está escrito que ela alimenta, fomenta e preserva a saúde de todas as coisas.
  53. Enquanto os elementos estão na temperança, a alma alegra-se no corpo; quando eles discordam, a alma detesta habitar no corpo.
  54. Pois a temperança é a mistura dos elementos, uns com os outros, de modo que o quente se tempere com o frio, o úmido com o seco.
  55. Os filósofos proibiram com ênfase que qualquer um excedesse o outro, dizendo: Cuidado para que o arcano não fuja 59, cuidado para que o vinagre não se transforme em fumaça 60, cuidado para não deixardes fugir o rei e a sua esposa devido a um fogo excessivo 61, evitai antes de tudo o que sai da medida; mas colocai-os sobre o fogo da putrefação, isto é, da temperança, até que se unam por si mesmos 62.
  56. A décima terceira é a disciplina espiritual ou inteligência, da qual o Apóstolo diz: A letra mata, mas o espírito vivifica 63.
  57. Renovai-vos através do espírito da vossa mente e revesti o homem novo 64, isto é, a compreensão sutil 65.
  58. Se compreenderdes de um modo espiritual, certamente experimentareis o espírito.
  59. Que cada um examine seu trabalho 66, para ver se ele conduz à perfeição ou à destruição.
  60. Pois o que o homem semeia, colherá 67.
  61. Oh, como são numerosos os que não compreendem as palavras dos sábios; esses vão para a perda, devido à sua incompreensão; faltou-lhes a compreensão espiritual e eles nada encontraram apesar do seu trabalho e esforço.
  62. A décima quarta pedra é a obediência, da qual está escrito: Obedecei aos vossos superiores 68, tal como Cristo obedeceu ao seu Pai até à morte 69.
  63. Obedecei também aos preceitos e palavras dos sábios, e então todas as suas promessas cumprir-se-ão a vosso favor, segundo a permissão do Senhor Deus.
  64. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça o que o espírito da doutrina diz aos filhos da ciência sobre a casa que a sabedoria edificou sobre quatorze pedras angulares 70, aquelas que os vinte e quatro anciães abrem com a ajuda das chaves do reino dos céus, e acerca das quais Senior, no prólogo do seu livro, diz: Lá onde ele põe uma águia sobre o teto, e sobre os lados as imagens das diversas propriedades 71.
  65. Alphidius também fala no seu livro de uma casa de tesouros e ensina que ela pode ser aberta com o auxilio de quatro chaves, que são os quatro elementos 72.

Notas

  1. Pr 9, 1-5. Cf. Missal, p. 788. Cf. Senior: De Chemia, p. 21 e p. 107. [ ]
  2. Jo 10, 9. Missal, p. 379. [ ]
  3. Sl 36, 9. [ ]
  4. Sl 84, 11. Missal, p. 444. [ ]
  5. Sl 84, 5. Missal, p. 515. [ ]
  6. Mt 7, 7-8. Missal, p. 352. [ ]
  7. Ap 3, 20. [ ]
  8. Sl 31, 20. Missal, p. 619. [ ]
  9. 1Cor 2, 9. [ ]
  10. Sl 93, 5. Sl 23, 6. Missal, p. 731. [ ]
  11. Mt 7, 24. [ ]
  12. Lv 16, 18. Cf. Senior: De Chemia ibid., p. 9 e p. 78-79. [ ]
  13. Nm 20, 11. Ex. 17, 6. [ ]
  14. Ap 7, 16. Cf. Is 49, 10 e Jo 4, 13-14. [ ]
  15. Cf. Zc 13, 1. [ ]
  16. Mc 16, 16. [ ]
  17. Sl 119, 130. 1Cor 13, 11. [ ]
  18. Sl 107, 32. Ap 4, 4s. Missal, p. 787. Cf. Senior: De Chemia, p. 8. [ ]
  19. 1Cor 13, 12. Missal, p. 140. [ ]
  20. Mt 16, 19. Missal, p. 511. [ ]
  21. Ap 14, 4. Missal, p. 96. [ ]
  22. Ap 21, 10s. [ ]
  23. Sl 147, 3. Missal, p. 136. [ ]
  24. Cf. Aurora consurgens, II parte, in: Artis Auriferae, 1610, ibid., p. 141. [ ]
  25. Lc 1, 48. Missal, p. 305. [ ]
  26. Sl 145, 14. [ ]
  27. Cf. Aristóteles, Secreta Secretorum, 1528, fol. XXIX. V. também fol. XXX. [ ]
  28. Sl 18, 26. [ ]
  29. Sl 96, 6. Missal, p. 693. [ ]
  30. Cod. Ashmole 1420, fol. 15, 1.c. Cf. Consilium Coniugii, in: Ars Chemica, 1566, ibid., p. 56. Cf. também Rosarium, Manget, Livro III, p. 91b. [ ]
  31. Turba, ibid., p. 198. [ ]
  32. Cf. Mt 9, 21-22. [ ]
  33. Cod. Ashmole 1420, fol. 26, 1.c. Cf. Alphidius, in Petrus Bonus, Pretiosa Margarita novella, ibid., p. 40. Cf. também Assidius, in Consilium Coniugii, in: Ars Chemica, 1566, p. 205, 64, 150. [ ]
  34. Avicena, Mineralia, in: Artis Auriferae, 1610. Do mesmo modo no De Congelatione et Conglutinatione Lapidis, in: Thear. Chem., 1659, vol. IV, p. 883 e Aristóteles, Secreta Secretorum, 1528, cap. De Mineralibus. [ ]
  35. Cf. Tabula Smaragdina, ed. J. Ruska, p. 3. [ ]
  36. Cf. Aurora cons., II, in: Artis Auriferae, 1610, I, p. 151 e Aristóteles, Secreta Secretorum, 1528, fol. XXVI 2. [ ]
  37. Ap 2, 17. [ ]
  38. Cf. Aurora cons., II, cap. 22, in: Artis Auriferae, 1610, I, p. 157. [ ]
  39. Cf. Mt 9, 22. [ ]
  40. Cf. Jo 20, 19. Missal, p. 336. [ ]
  41. Turba, ibid., p. 220. [ ]
  42. Turba, ibid., p. 185. [ ]
  43. Rm 9, 33. Missal, p. 331. [ ]
  44. Jo 3, 18. Missal, p. 376. [ ]
  45. Sl 62, 9. [ ]
  46. Sl 22, 5. Missal, p. 229. [ ]
  47. 1Cor 13, 7. 1Cor 13, 4. Missal, p. 140. [ ]
  48. Jo 14, 21. Pr 8, 17. [ ]
  49. Pr 17, 17. [ ]
  50. Gregório Magno, In Evang. Homilia, XXX, Opera, Paris 1636, vol. II, col. 4091. [ ]
  51. Jó 2, 4. [ ]
  52. 2Cor 9, 6. Missal, p. 693. [ ]
  53. 2Cor 1, 7. [ ]
  54. Rm 2, 4-6. Cf. Sl 62, 13. [ ]
  55. Rm 15, 4. Missal, p. 50. [ ]
  56. Cf. Rosarium phil., Manget, Livro III, p. 114a. Cf. Provérbios de Geber, em Tomás de Aquino, Thesaurus Alchemiae Secretissimus, in: De Chem., 1659, vol. III, p. 278. [ ]
  57. Cf. Rosarium, Manget, Livro III, p. 114a. Cf. Tomás de Aquino, Thesaurus Alchemiae Secretissimus, in: Theatr. Chem., 1659, vol. III, p. 278 e Geber, Summa Perfectionis, cap. 12, in: De Alchimia, 1541, p. 17. [ ]
  58. Tg 5, 8. [ ]
  59. Turba phil., ed. J. Ruska, ibid., p. 200 e p. 202. [ ]
  60. Ibid. p. 199. [ ]
  61. Ibid., p. 216. [ ]
  62. Alphidius, v. Cod. Ashmole, 1420, 1.c., fol. 10, 1.c. [ ]
  63. 2Cor 3, 6. Missal, p. 438. [ ]
  64. Ef 4, 23-24. Missal, p. 467. [ ]
  65. Cf. Pretiosa Margarita novella, ibid., p. 38. [ ]
  66. Gl 6, 4. Missal, p. 443. [ ]
  67. Gl 6, 7. Missal, p. 443. Cf. também Rosarium, Manget, III, p. 107b, e Pretiosa Margarita novella, ibid., p. 116-117. [ ]
  68. Hb 13,17. Missal, p. 658. [ ]
  69. Fl 2, 8. [ ]
  70. Cf. Missal, p. 306 e 445. [ ]
  71. Cf. Senior: De Chemia ibid., p. 3s e p. 109. [ ]
  72. Cod. Ashmole, 1420, fol. 22-24. Cf. Consilium Coniugii, in: Ars Chemica, 1566, ibid., p. 108s. [ ]
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