Aurora Nascente - 12. Sétima parábola: Do diálogo do amado com a amada
- "Voltai-vos para mim de todo o coração 1 e não me rejeiteis porque sou negra e escura, pois foi o sol que me queimou 2; e os abismos cobriram a minha face 3, e a terra foi pervertida e envenenada nas minhas obras 4, pois as trevas a cobriram 5 porque fui mergulhada na lama das profundezas e a minha substância não é aberta 6.
- Por isso gritei do profundo 7, e do abismo da terra a minha voz alcançou os vossos ouvidos, de todos vós que passais pelo caminho: Prestai atenção e olhai-me; se alguém encontrar um ser semelhante a mim 8, porei na sua mão a estrela da manhã 9.
- Eis que durante a noite procurei no meu leito alguém que me consolasse e não o encontrei 10, chamei e ninguém me respondeu".
- - "Por isso eu me levantarei para entrar na cidade; nas vielas e ruas procurarei 11, para desposá-la 12, uma virgem pura, bela de rosto, de corpo ainda mais belo, em belíssimas vestes, a fim de que ela remova a pedra da entrada do meu sepulcro 13, ela me dará asas como as das pombas e com ela voarei através do céu 14.
- Então eu lhe direi: Eu vivo eternamente 15 e nela repousarei, pois [a rainha] está à minha direita com vestes douradas, ornada de várias cores.
- Ouve também, ó filha, e inclina o teu ouvido às minhas preces, pois desejei a tua beleza com todo o meu coração 16.
- A minha língua falou: Faz-me conhecer o meu fim e o número dos meus dias para que eu saiba aquilo que me falta, pois limitaste todos os meus dias e a minha substância é como nada diante de ti 17.
- Tu és aquela que entrará pelo meu ouvido, através dos meus domínios, e eu serei revestido por uma veste púrpura (que) procede de ti e de mim, e sairei como um noivo do seu quarto nupcial 18, pois circundas-me de pedras preciosas e faiscantes, adornas-me de frescura primaveril e revestes-me com as vestes da saúde e da alegria 19 para que eu domine todas as nações e inimigos.
- Tu também me ornarás com uma coroa de ouro, sinal da santidade 20, adornando-me com a estola da justiça com a qual me cingirás.
- Ligar-te-ás a mim com o anel de noivado e me calçarás com sandálias de ouro.
- Tudo isto farás, minha amiga perfeita, a mais bela e fascinante nas suas delícias 21, pois as filhas de Sião a viram e as rainhas e concubinas a louvaram 22.
- Ó rainha do mundo superior, levanta-te, apressa-te, minha amiga, noiva minha 23, fala, amada, ao teu amado, diz quem és, qual a tua estirpe e grandeza; por causa de Sião não calarás, e por causa de Jerusalém não cesses de falar comigo 24, pois o teu amado ouve-te."
- - "Escutai, vós, todos os povos, prestai ouvidos, habitantes da terra 25, o meu amado vermelho falou-me 26, ele pediu e obteve.
- Eu sou a flor do campo e o lírio dos vales 27; eu sou a mãe do belo amor, do conhecimento e da santa esperança 28.
- Eu sou a videira dando frutos de aroma suave, e as minhas flores são frutos de honra e dignidade 29.
- Eu sou o leito onde repousa o meu amado, sessenta heróis o cercam, todos mantendo a sua espada sobre a coxa, por causa dos terrores da noite 30.
- Bela sou por inteiro, sem defeito algum 31; espreito através das janelas, olho por entre as grades do meu amado 32, ferindo o seu coração com um só dos meus olhos, com um só fio dos cabelos da minha nuca 33.
- Eu sou o odor dos perfumes, impregnando de aroma além de toda a fragrância, semelhante ao cinamomo, ao bálsamo e à mirra escolhida 34.
- Eu sou a virgem prudentíssima 35, que avança como a aurora luminosa, brilhante como o sol e bela como a lua 36, sem falar do que se oculta no interior 37.
- Eu sou um cedro esguio, o cipreste sobre a montanha de Sião 38, eu sou a coroa que cingirá a fronte do meu amado no dia das suas núpcias e da sua alegria 39, pois o meu nome é um perfume que se derrama 40.
- Eu sou a funda de Davi, cuja pedra arrancou o grande olho de Golias, e finalmente também a sua cabeça 41.
- Eu sou o cetro da casa de Israel e a chave de Jessé 42, que abre e ninguém pode fechar, que fecha e ninguém pode abrir 43.
- Eu sou aquela vinha predileta, o senhor da casa a ela enviou os operários da primeira hora, da segunda, da terceira, da sexta e da nona, dizendo-lhes:
- Ide também vós para a vinha que me pertence e eu vos darei o justo salário na décima segunda hora 44.
- Eu sou aquela terra da santa promessa, onde correm rios de leite e mel 45; produzindo dulcíssimos frutos no seu devido tempo; por isso todos os filósofos me recomendaram e semearam nos meus campos o seu ouro, a sua prata e o seu grão incombustível.
- Se este grão, caindo em mim, não morre, permanecerá só, mas se morre, produz um tríplice fruto 46: o primeiro produzirá bom fruto numa boa terra, a das pérolas; o segundo, igualmente bom, produzirá numa terra melhor, a das folhas de prata; o terceiro produzirá mil vezes mais porque foi semeado 47 na melhor das terras, a de ouro.
- A partir dos frutos deste grão é que se faz o alimento da vida que vem do céu 48.
- Quem o comer viverá e não terá mais fome.
- Deste alimento os pobres se alimentarão e serão saciados, e aqueles que buscam Deus o louvarão e os seus corações viverão eternamente 49.
- Eu dou e não peço de volta, pago e não empobreço, protejo e não tenho medo - o que direi mais ao meu amado?
- Eu sou a mediadora dos elementos, harmonizando-os entre si: o que é quente, eu refresco; o que é seco, eu umedeço; o que é duro, eu amoleço e vice-versa.
- Eu sou o fim e o meu amado é o principio 50.
- Eu sou a obra inteira e toda a ciência se oculta em mim.
- Eu sou a lei no sacerdote, a palavra no profeta e o conselho no sábio 51.
- Eu posso matar e tornar vivo; não há ninguém que possa livrar-se das minhas mãos 52.
- Eu ofereço a minha boca ao meu amado e ele beija os meus lábios 53.
- - Ele e eu somos um só 54 - quem nos separará do amor? 55
- Ninguém, é impossível!
- Pois o nosso amor é forte como a morte" 56.
- - "Ó minha amada, e ainda mais, predileta, a tua voz ressoou nos meus ouvidos, tão docemente 57, e o teu perfume ultrapassa todos os unguentos preciosos 58.
- Como é bela a tua face 59, os teus seios são mais formosos do que o vinho 60, minha irmã, minha noiva, os teus olhos são piscinas de Hesebon 61, os teus cabelos assemelham-se ao ouro, as tuas faces ao marfim, o teu ventre é uma taça de licores inesgotáveis 62, as tuas vestes são mais puras do que a neve, mais claras do que o leite e mais vermelhas do que o marfim antigo 63, e todo o teu corpo é para todos fascinante e desejável.
- Vinde, filhas de Jerusalém, vede e anunciai o que vistes.
- Dizei-me: O que faremos pela nossa irmãzinha, cujos seios ainda não cresceram, no dia em que for necessário adverti-la? 64
- Sobre ela porei a minha força, tomarei os seus frutos e os seus seios serão como os cachos de uva 65.
- Vem, amada, minha amada, atravessemos o teu campo, permaneçamos no lugarejo, levantemo-nos de manhã bem cedo para ir à vinha; a noite passou e o dia aproxima-se 66.
- Vejamos se a tua vinha já floriu 67, se as tuas flores geraram frutos 68.
- Lá oferecerás os teus selos à minha boca, e eu mesmo guardei para ti todos os meus frutos novos e antigos.
- Desfrutemos, pois, e apressemo-nos a consumir os nossos bens, como na juventude fazíamos.
- Bebamos o vinho precioso e inebriemo-nos de aromas.
- Nenhuma flor será esquecida ao passarmos por ela e nos coroaremos: primeiro, com lírios, depois com as rosas, antes que feneçam.
- O nosso prazer atravessará todos os prados.
- Que ninguém dentre nós se esquive a este prazer.
- Por toda a parte deixemos sinais da nossa alegria, pois ela é o nosso quinhão e destino 69: que vivamos na unidade do nosso amor, no júbilo da dança, dizendo:
- Vede como é bom para dois habitar num só! 70
- Faremos então três tendas: uma para ti, a segunda para mim, a terceira para os nossos filhos 71, pois um tríplice liame dificilmente se rompe" 72.
- Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça o que o espírito da doutrina diz aos filhos da ciência sobre o casamento do amado e da amada.
- Pois ele havia semeado a sua somente, para que amadurecesse um tríplice fruto, acerca do qual o autor das três palavras diz tratar-se de três palavras preciosas, nas quais se oculta toda a ciência que deve ser transmitida aos homens piedosos, isto é, aos pobres, desde o primeiro homem até o último 73.
Notas
- Jl 2, 12. [ ↑ ]
- Ct 1, 5-6. [ ↑ ]
- Jn 2, 4s. [ ↑ ]
- Sl 106, 38. [ ↑ ]
- Lc 23, 44. [ ↑ ]
- Sl 69, 3. Missal, p. 249. [ ↑ ]
- Sl 130, 1. Missal, p. 130, 474, etc. [ ↑ ]
- Lm 1, 12. Missal, p. 614. [ ↑ ]
- Ap 2, 28. [ ↑ ]
- Sl 69, 21. Missal, p. 244, 615. [ ↑ ]
- Ct 3, 1-2. Missal, p. 671. [ ↑ ]
- 2Cor 11, 2. [ ↑ ]
- Mc. 16, 3. Missal, p. 312. [ ↑ ]
- Sl 55, 7. Cf. Marg. Pret. nov., ibid. p. 123. Cf. Senior, ibid., p. 38. [ ↑ ]
- Dt 32, 40. Missal, p. 363. [ ↑ ]
- Sl 45, 10-12. Missal, p. 567. [ ↑ ]
- Sl 39, 4-5. [ ↑ ]
- Sl 19, 5-6. Missal, p. 60. [ ↑ ]
- Is 61, 10. Missal, p. 549. [ ↑ ]
- Eclo 45, 12. Missal, p. 549. [ ↑ ]
- Ct 7, 7. [ ↑ ]
- Ct 6, 9. [ ↑ ]
- Ct 2, 10. Missal, p. 539. [ ↑ ]
- Is 62, 1. [ ↑ ]
- Sl 49, 2. [ ↑ ]
- Ct 5, 10. [ ↑ ]
- Ct 2, 1. [ ↑ ]
- Eclo 24, 18. Missal, p. 727. [ ↑ ]
- Eclo 24, 23-24. Missal, p. 727. [ ↑ ]
- Ct 3, 7-8. Missal, p. 549. [ ↑ ]
- Ct 4, 7. Cf. Missal, p. 540. [ ↑ ]
- Ct 2, 9. Missal, p. 649/650. [ ↑ ]
- Ct 4, 9. [ ↑ ]
- Eclo 24, 15. Missal, p. 699. [ ↑ ]
- Cf. Mt 25, 1-13. Missal, p. [58-59]. [ ↑ ]
- Ct 6, 10. Missal, p. 789. [ ↑ ]
- Ct 4, 1. Missal, p. 549. [ ↑ ]
- Eclo 24, 13. Missal, p. 699. [ ↑ ]
- Ct 3, 11. Missal, p. 549. [ ↑ ]
- Ct 1, 3. [ ↑ ]
- Cf. 1Sm 17, 49-51. [ ↑ ]
- Cf. Is 11, 1-5. Cf. Rm 15, 4-14 (Missal, p. 51, 58). Cf. Senior, ibid., p. 101. [ ↑ ]
- Ap 3, 7. [ ↑ ]
- Cf. Mt 20, 1s. Missal, p. 132. [ ↑ ]
- Ex 3, 8. Cf. Ex 13, 5 e Dt 26, 1-11. Missal, p. 315, 385 e 440. [ ↑ ]
- Jo 12, 24. Missal, p. 217, 694. [ ↑ ]
- Cf. Senior, De Chemia, ibid., p. 51. Cf. ibid., p. 106. [ ↑ ]
- Jo 6, 33. Jo 6, 51. Missal, p. 381. Sl 78, 23-24. [ ↑ ]
- Sl 22, 27. [ ↑ ]
- Ap 1,8. Cf. O Livro do alúmen e dos sais, ed. Ruska, p. 59. [ ↑ ]
- Jr 18, 18. [ ↑ ]
- Dt 32, 39. [ ↑ ]
- Ct 1, 2. [ ↑ ]
- Cf. Jo 10, 30. Missal, p. 214. [ ↑ ]
- Rm 8, 35-39. [ ↑ ]
- Ct 8, 6. Missal, p. 616, 672. [ ↑ ]
- Ct 2, 14. Missal, p. 539, 650. [ ↑ ]
- Ct 4, 10. [ ↑ ]
- Ct 4, 1. [ ↑ ]
- Ct 4, 10. [ ↑ ]
- Ct 7, 5. [ ↑ ]
- Ct 7, 13. [ ↑ ]
- Lm 4, 7. [ ↑ ]
- Ct 8, 8. [ ↑ ]
- Ct 7, 9. [ ↑ ]
- Rm 13, 12. [ ↑ ]
- Cf. Tomás de Aquino: Thesaurus Alchemiae secretissimus, in: Theatr. Chem., 1659, vol. III, p. 279. [ ↑ ]
- Ct 7, 12-14. Cf. Marg. pret. nov., ibid., p. 101. [ ↑ ]
- Sb 2,5s. [ ↑ ]
- Sl 133, 1. Missal, p. 475, 638. [ ↑ ]
- Mt 17, 4. Cf. Missal, p. 174-175. Cf. Ap 21, 2-3. [ ↑ ]
- Ecl 4, 10-12. [ ↑ ]
- Calid: Liber trium verborum, Artis Auriferae, 1610, ibid., p. 228. [ ↑ ]
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