Aurora Nascente - 11. Sexta parábola: Do céu e do mundo e do lugar dos elementos

  1. Quem é da terra fala da terra, quem vem do céu está acima de tudo 1.
  2. Aqui pois a terra é posta como princípio básico dos elementos: o céu, por seu lado, figura entre os três princípios superiores; por conseguinte, será preciso dizer algo sobre o céu e a terra, sendo esta o princípio básico e a mãe dos outros elementos, tal como o Profeta adverte: No inicio, ó Senhor, fundaste a terra; os céus 2 são obra das tuas mãos, feitos de água, ar e fogo.
  3. A partir da terra é que os elementos se separam, morrendo e depois a ela voltando revivificados 3, pois conforme aquilo de que uma coisa se compõe, nisso mesmo ela se resolve naturalmente, como atesta a palavra sagrada: O homem é cinza e à cinza retornará 4.
  4. Os filósofos prescreveram que essa cinza deve ser misturada com a água eterna (aqua permanens).
  5. Esta é o fermento do ouro, e o "seu ouro" é o corpo, isto é, a terra que Aristóteles chamou coagulum (coágulo), pois ela coagula a água.
  6. Esta é a terra do país prometido 5, no qual Hermes ordenou que o seu filho semeasse ouro 6, a fim de que dela subam a chuva vivificante (o ouro) 7 e a água que a aquece, como diz também Senior: Quando eles (os filósofos) querem extrair esta água divina, que é fogo, eles a aquecem com o seu fogo, que é água, fogo que eles mediram até ao fim (da obra) e que mantiveram secreto devido à ignorância dos insensatos 8.
  7. E quanto a isto, todos os filósofos juraram que não o escreveriam claramente em parte alguma, deixando ao Deus glorioso a decisão de revelá-lo a quem quiser 9, e escondê-lo de quem quiser, pois há nisso uma grande prudência e o segredo dos sábios.
  8. Quando o calor desse fogo se aproxima da terra, esta dissolve-se e torna-se água fervente; depois evapora-se e volta à sua primeira forma terrestre 10.
  9. Com isso, a terra é posta em movimento pela água e os céus derramam gotas sobre ela 11, e escorre algo semelhante ao mel através do mundo inteiro, narrando a sua glória 12.
  10. Mas esta glória só é conhecida por aquele que sabe como os céus foram fundados sobre a terra 13, e por isto esta permanece para sempre e os céus são fundados sobre ela, segundo o testemunho do Profeta: Tu, que fundaste a terra sobre a sua firmeza, e ela não vacilará pelos séculos e séculos.
  11. O abismo é a sua veste, sobre ela se manterão água, ar e fogo 14, os pássaros do céu a habitarão, eles a regam lá dos elementos superiores, para que ela (a terra) seja saciada com os frutos das suas obras, pois os sete planetas mergulharam na terra as suas raízes e as suas forças; por isso há na terra uma água que faz germinar diversas espécies de cores e frutos e dela tiram o pão e o vinho que alegra o coração do homem, e também faz crescer o feno para os animais e plantas úteis ao homem 15.
  12. Esta terra fez a lua no seu tempo próprio 16, mas então o sol ergueu-se 17 bem cedo, no primeiro dia da semana 18, depois da escuridão que puseste sobre a terra antes do nascer do sol e (assim) foi feita a noite.
  13. Nesta faixa de terra passarão todos os animais da floresta 19, pois tu fixaste para cada um determinado prazo de vida, que eles não ultrapassarão 20 até ao branco; mas eles persistirão por sua ordem até ao vermelho, pois todas as coisas servem à terra 21, e a sua vida tem a duração de setenta anos 22, que passam sobre eles, porque ela tudo sustém mediante a palavra da sua divindade 23, tal como está escrito também na Turba: A terra sustém todas as coisas porque é pesada 24, e porquanto configura o fundamento de todo o céu, uma vez que surgiu seca, quando houve a separação dos elementos.
  14. Depois abriu-se um caminho sem obstáculos 25, no mar Vermelho, pois este grande e amplo mar 26 abalou os rochedos e as águas metálicas escoaram.
  15. Então sobre o seco apareceram os rios 27 que alegram a cidade de Deus 28; quando este corpo mortal revestir a imortalidade, e a corrupção dos seres vivos, a incorruptibilidade, cumprir-se-á verdadeiramente a palavra: A morte foi tragada na vitória.
  16. Ó morte, onde está a tua vitória 29 ?
  17. Lá, onde o teu pecado era abundante, a graça tornou-se ainda mais abundante 30.
  18. Pois assim como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados 31.
  19. Por um homem a morte entrou no mundo, mas também através de um homem (Jesus) veio a ressurreição dos mortos 32.
  20. Pois assim como o primeiro Adão e os seus filhos se originaram dos elementos corruptíveis, foi preciso que o composto se corrompesse e o segundo e verdadeiro Adão, chamado homem filosófico, feito de elementos puros, passasse para a eternidade.
  21. O que é feito de essência simples e pura permanece eternamente 33.
  22. Tal como diz também Senior: Há uma coisa que não morre jamais, porque persevera num crescimento (augmentatione) perpétuo 34, quando o corpo é glorificado na ressurreição dos mortos, no novo Dia; por isso a fé também atesta a crença na ressurreição da carne e a vida eterna após a morte 35.
  23. Então o segundo Adão diz ao primeiro Adão e aos seus filhos: Vinde, abençoados do meu Pai, herdai o reino eterno que foi preparado para vós desde o inicio da operação 36; comei o meu pão e bebei o vinho que misturei para vós 37, pois tudo está pronto para vós.
  24. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça o que o espírito da doutrina diz aos filhos da ciência acerca do Adão terrestre e do Adão celeste, que os filósofos mencionam com as seguintes palavras: Quando obtiveres água a partir da terra, ar a partir da água, fogo a partir do ar e terra a partir do fogo, então possuirás a nossa Arte, na sua plenitude e perfeição, etc. 38

Notas

  1. Jo 3, 31. [ ]
  2. Sl 102, 26-27. Missal, p. 83. [ ]
  3. Cf. Morienus Romanus: De Transmutat. Metall., Artis Auriferae, 1610, II, p. 19. Cf. Pretiosa Margarita novella, ibid., p. 107. [ ]
  4. Gn 3, 19. Eclo 17, 31. Jó 34, 15. [ ]
  5. Cf. Ex 13, 5 Missal, p. 328. [ ]
  6. Cf. Senior: De Chemia, p. 34-35, e p. 115 e 25, e p. 40. Cf. Aristóteles: Tractatus, Artis Auriferae, 1610, p. 238. [ ]
  7. Cf. Senior: De Chemia, p. 108; p. 65s e 38. [ ]
  8. Cf. Senior: De Chemia, p. 68. [ ]
  9. Cf. Senior: De Chemia, p. 92. Cf. Consilium Coniugii, in: Ars Chemica, 1566, ibid., p. 49 e De Arte Chimica, in: Artis Auriferae, 1610, I., p. 174. [ ]
  10. Cf., ibid., p. 68. [ ]
  11. Sl 68, 9. Sl 97, 4-5. Cf. Is 64, 1. [ ]
  12. Sl 19, 2. Missal, p. 59. [ ]
  13. Cf. Pr 8, 22-35. Missal, p. 59. [ ]
  14. Sl 104, 5-6. [ ]
  15. Sl 104, 12-15. Missal, p. 441. [ ]
  16. Sl 104, 19. [ ]
  17. Sl 104, 22. Cf. Pretiosa Margarita novella, ibid., p. 112. [ ]
  18. Mc 16, 2. [ ]
  19. Sl 104, 20. [ ]
  20. Sl 104, 9. [ ]
  21. Sl 118, 91. [ ]
  22. Sl 90, 10. [ ]
  23. Hb 1, 3. Missal, p. 82. [ ]
  24. Turba Phil., ed. J. Ruska, ibid., p. 178. [ ]
  25. Sb 19, 7. [ ]
  26. Sl 104, 25. [ ]
  27. Sl 105, 41. Is 48, 21. [ ]
  28. Sl 46, 5. Missal, p. 534. [ ]
  29. 1Cor 15, 54. Cf. Missal, p. 314. [ ]
  30. Rm 5, 20. [ ]
  31. 1Cor 15, 22. [ ]
  32. 1Cor 15, 21. [ ]
  33. Cf. 1Cor 15, 45. Cf. Turba, ibid., p. 182-183. [ ]
  34. Cf. Senior: De Chemia, p. 71-72. Cf. Consilium Coniugii, in: Ars Chemica, 1566, ibid., p. 66. [ ]
  35. Credo (Missal, p. 9). [ ]
  36. Mt 25, 34. Missal, p. 162, 324, 629, etc. Cf. Aristóteles, De perfecto magisterio, Theatr. Chem., 1659, vol. III, p. 70s. [ ]
  37. Pr 9, 5s. [ ]
  38. Cf. Aristóteles, Secretum secret., 1528, fol. XXVII. De proprietatibus originalium lapidum, e Rosarium, Manget, Lib. III, p. 101b. Cf. Artis Auriferae, 1616, II, p. 185. [ ]
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